O impacto da globalização nas culturas frederiquenses

Foto: Nícolas S. Rahmeier

A percepção de representantes culturais acerca da manutenção das tradições

João Victor Gobbi Cassol – jvgc91@gmail.com
Nícolas S. Rahmeier – nicolasrahmeier@gmail.com
Samuel Agazzi – samuelagazzi1@gmail.com
Vicente G. Hollas – vgieselhollas@gmail.com

Enquanto processo de internacionalização e integração, a globalização prolonga-se por todo o planeta e Frederico Westphalen não está aquém deste acontecimento. Dentre essas integrações, existe a cultural. Por sua vez, cultura é um conceito de difícil definição, mas pode ser entendida como um conjunto de diversos aspectos, tais como crenças, valores, tradições, morais, leis, costumes e muitos outros fenômenos pertinentes ao nosso cotidiano. A localidade frederiquense foi colonizada, majoritariamente, por alemães, italianos e poloneses, sendo desde sua criação, um local de trocas culturais. Com o avançar dos anos, a globalização ensejou um impacto que atinge as pessoas de distintas maneiras.

Para o sociólogo e professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da URI-FW, Dr. Martin Kuhn, o processo está presente em muitas de nossas atividades cotidianas, e por vezes nem percebemos que seus efeitos são muito mais presentes e próximos do que imaginamos, seja pela música, no comércio, nas danças, nas tecnologias e nos meios de comunicação, por exemplo: “nosso conceito de globalização é reduzido aquilo que conseguimos enxergar desse processo, mas ele se estende em várias dimensões, além de ser polissêmico, possuir vários significados”. Conforme o professor, esse fenômeno global não é exclusivamente positivo ou negativo, já que assume característica ambivalente, por um lado benéfico e por outro prejudicial. Ainda segundo o sociólogo, isto explica o motivo de algumas das lideranças culturais creditarem à globalização o enfraquecimento das tradições: “essas lideranças acabam tendo uma visão minimalista da globalização, voltada apenas à interferência negativa dela, que sobressai diante das consequências positivas proporcionadas pela mundialização nos aspectos culturais”.

Quanto a influência e a interferência da globalização nos aspectos culturais, Kuhn argumenta acerca do duplo potencial deste processo, afirmando que ao mesmo tempo em que se corre o risco de homogeneização das culturas mundiais, muitas outras representações ganham reconhecimento e são expandidas ao redor do mundo através das tecnologias e de todos os mecanismos de difusão gerados pela globalização. Isto é, existem interferências de outras tradições em nosso modo de vida, mas a mundialização também permite que as nossas culturas se façam presentes em qualquer lugar do planeta, novos produtos são incorporados em nossa realidade, mas as nossas coisas também são exportadas. Nessa acepção, Frederico Westphalen não possui apenas uma cultura soberana e homogênea, mas sim é formada por diferentes percepções de mundo. Dentre elas, se evidenciam os grupos italianos, alemães, poloneses e gaúchos.

Cultura italiana: o indivíduo na perpetuação dos valores

Nelci Gasparin, de 65 anos possui em seu DNA a cultura italiana e preside o grupo representante da etnia em Frederico Westphalen, que tem sua sede no parque municipal. O aposentado, natural da cidade de Barão de Cotegipe, RS, dono de uma loja de eletrônicos, afirma que muitas questões são preeminentes em relação a influência da globalização na perpetuação da cultura italiana na cidade. Quando se fala nos meios de comunicação, se fala em mídia, e para Nelci, ela não vem desempenhando um papel positivo no que tange a divulgação de informações sobre as práticas da linhagem italiana. “A mídia fica mais no anonimato do que busca divulgar informações da etnia, uma que outra busca divulgar, mas no geral não vejo muito que façam algo”.

Atualmente as novas tecnologias estão cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas que, por sua vez, têm passado a adquirir mais aparelhos eletrônicos que promovem os mais variados recursos de comunicação. Quando questionado sobre até que ponto a presença desses aparelhos eletrônicos podem ser benéficos ou maléficos na relação com a sua etnia, Gasparin apresenta dois pontos de vista: “de certa forma é benéfica pois ‘aproxima’ as pessoas que estão longe através da facilidade do WhatsApp entre outros, mas, ao mesmo tempo, acaba afastando também as pessoas, pois eu vejo quando estamos reunidos, o pessoal fica somente prestando atenção no celular e esquece de conversar. É complicada essa questão, é positiva por um lado, mas é negativa por outro”, afirma ele.

Para Nelci, a globalização não infere diretamente no cultivo das suas tradições. Para ele, tudo se remete a uma questão do próprio indivíduo exercer a sua parte. “Na verdade se você dedicar-se um pouco à etnia e as tradições conseguirá levar adiante, eu reconheço que faço pouco, falo uma que outra palavra em casa, mas é errado, pois tempo se tem”.

Cultura alemã: o impacto midiático

O integrante e presidente do Centro Cultural 25 de julho, em Frederico Westphalen, Amandio Hoffmann, também conversou conosco a respeito da globalização e suas implicações sobre a cultura, agora com o foco no impacto do processo diante das tradições alemãs. Primeiramente, Hoffman defendeu a hipótese de que a ação da mídia, no geral, contribui para que os costumes de diversas culturas, sobretudo das etnias europeias, sejam esquecidos ou desvalorizados. O presidente acredita que a imprensa disponibiliza muito mais espaço para a divulgação das tradições africanas e norte americanas, deixando de lado a cobertura de várias manifestações culturais. Para Amandio, essa situação prejudica um conhecimento mais amplo da população diante de determinadas culturas, assim como o renascimento da identificação pessoal e o apreço dos indivíduos que as carregam em suas origens.

No que se refere especificamente à cultura alemã, Hoffman salienta que no município de Frederico Westphalen há um grande preconceito da população local com relação a vários costumes da etnia. Ele relatou um caso em que estava utilizando trajes típicos alemães e foi alvo de piadas: “estava no centro, com roupas alemãs, quando um cara olhou para mim dando risada e perguntou o porquê de eu estar vestido de palhaço”, contou. O presidente lembrou que a vestimenta típica da cultura gaúcha é inclusive, considerada traje social no Rio Grande do Sul, de acordo com a Lei Estadual da Pilcha, aprovada em 1989. Já as vestes que representam outros povos são, segundo ele, muitas vezes desvalorizadas e até motivo de “chacotas”.

Acerca da preservação e perpetuação da cultura alemã, Hoffman atribui grande importância aos centros de cultivo das tradições. Acredita que eventos que promovam músicas e danças típicas da etnia, como a Barril Fest, que teve sua 10ª edição realizada recentemente em diversas localidades de Frederico são fundamentais para manter vivos os costumes germânicos. Contudo, ele lamenta que, atualmente, há um grande percentual de grupos que fazem adaptações nas coreografias de dança originais, criando as chamadas danças estilizadas. Hoffmann considera que esse fator distancia os indivíduos do folclore alemão, do cultivo da cultura na forma como foi trazida pelos imigrantes, sendo um aspecto negativo, na sua opinião.

O presidente afirma que uma das grandes dificuldades que o Centro Cultural enfrenta, para que seja possível a realização das atividades de preservação cultural, é a falta de apoio financeiro do poder público municipal, salientando que se refere exclusivamente aos eventos étnicos alemães. Amandio também acredita que as tecnologias recentes prejudicam a preservação cultural por distanciarem as pessoas de suas culturas de origem, fazendo com que, muitas vezes, adquiram costumes exóticos e esqueçam suas raízes. Ele defende ainda que a globalização, se continuar a ser assimilada da maneira atual por mais gerações, poderá nos conduzir a uma única cultura mundial, onde as particularidades que identificam cada povo não serão mais notadas.

Cultura gaúcha: universidades impulsoras

Paulo Ricardo Donin, presidente da AFF (Associação Farroupilha Frederiquense), discorre acerca da globalização e suas influências perante a cultura gaúcha em Frederico Westphalen. Inicialmente, Donin comenta que a tradição nativista integra a própria identidade da população rio-grandense de maneira muito intensa. O presidente enfatiza o orgulho que as pessoas sentem da história farrapa e lembra da empolgação dos gaúchos ao ouvirem o hino estadual, diferenciando-os dos habitantes dos demais estados: “na semana farroupilha ou qualquer evento, aqui no nosso município por exemplo, quando toca o hino nacional todo mundo resmunga, mas quando vem o hino gaúcho, todo mundo canta”. Esse amor às origens, segundo ele, contribui decisivamente para a preservação e perpetuação da cultura gaúcha nas futuras gerações.

Já no que se refere à globalização, de forma direta, Donin acredita que esta foi fundamental para possibilitar com que os costumes locais fossem propagados para fora do estado. Para embasar seu ponto de vista, falou sobre a oficialização da celebração farroupilha em Santa Catarina e a existência de CTG’s em Mato Grosso. No contexto municipal, Paulo considera que a globalização trouxe muitos benefícios para a perpetuação da cultura rio-grandense em Frederico. Vieram, através das universidades, indivíduos de diversas localidades do estado, com os mesmos gostos e ideais, fomentando e dando força à cultura gaúcha: “antes da chegada da UFSM, da UERGS e do IFFar, Frederico tinha uma realidade: a gente só se vestia de gaúcho, tirando quem têm o tradicionalismo como profissão, na semana farroupilha. Hoje tu vê um cara esperando o ônibus, com a mateira, de bombacha, boina e alpargata”.

Sobre o apoio político e econômico às atividades de preservação da tradição, Donin, que também é Secretário de Indústria e Comércio de Frederico Westphalen, enfatiza que o poder executivo está contribuindo. O secretário comentou que, apesar de outras prioridades, a prefeitura não deixou de prestar auxílio para a realização da Semana Farroupilha, em setembro, arcando, por exemplo, com o custeio de segurança e de todos os shows.

Para Donin, a influência da tecnologia na interação física entre as pessoas e o possível afastamento das tradições que a mesma pode ocasionar, talvez seja um ponto negativo da globalização para a preservação da cultura. Contudo, em relação às gerações mais novas, Paulo atribui aos pais a responsabilidade de controlar o uso dos eletrônicos e estimular o cultivo da cultura gaúcha. Da mesma forma que afasta, para ele, os meios tecnológicos podem aproximar os indivíduos do nativismo.

Cultura polonesa: enfraquecimento das origens

Albino Gaitkoski, policultor e descendente de poloneses, também trouxe sua opinião sobre o assunto. Comentou que há, de fato, influência da globalização sobre a manutenção e perpetuação das culturas, salientando que este é um processo responsável por consequências positivas e negativas. Positivamente, Gaitkoski, o qual é casado com uma mulher italiana, afirmou que a globalização impulsiona a interação e a troca de saberes e costumes entre culturas distintas, defendendo que isso gera conhecimento, estimula a convivência pacífica e a aceitação das diferenças.

Sobre o impacto negativo, Albino acredita que com o intenso convívio entre culturas distintas, aliado ao desenvolvimento tecnológico, costumes e tradições étnicas vão sendo perdidas com o passar do tempo e no seu repasse para as futuras gerações. O policultor salienta que, ele mesmo, sendo o filho mais novo de sua família, perdeu traços da cultura que seus familiares mais velhos ainda detêm, como a capacidade de falar e entender a língua polonesa. Depois de seu casamento, Gaitkoski enfatiza que outros hábitos, tanto poloneses como italianos (de sua esposa), foram perdidos ou mesclados, deixando de possuir as características originais.

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Município globalizado

Por fim, seja pelas motivações econômicas ou políticas, é impreciso afirmar que a globalização é positiva ou não para a manutenção das culturas locais. Na maioria das vezes, segundo o professor Martin Kuhn, “apenas visualizamos os aspectos negativos desse fenômeno, uma vez que os pontos positivos já foram incorporados por nós, e nem nos damos conta dessa apropriação”.

No universo das cidades interioranas, Frederico Westphalen é metrópole. Nas ruas é possível enxergar a variedade de idades e identidades, de costumes, tradições e modos de ser. Tal realidade marca a característica de uma cidade que se pluralizou na última década, onde o “novo” coexiste e conversa com o “tradicional”, evidenciando a presença constante da diversidade no município. Positivo ou negativo, este fenômeno é um retrato de uma cidade cada vez mais dinâmica, cosmopolita e globalizada.

Reportagem produzida na disciplina de Redação Jornalística 2 como parte do jornal-laboratório online da turma 21. Leia outros textos em: http://decom.ufsm.br/redajor2/

Sobre o autor

J. Victor Cassol
Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria /campus Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul, Brasil.

1 comentário a "O impacto da globalização nas culturas frederiquenses"

  1. Bom texto. Jornalismo crítico. Parabéns.

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