APAE: responsabilidade de quem?

Organização necessária para a dignidade de muitas pessoas, sofre com falta de recursos e apoio

Pe. Mauro Luiz Argenton

mauroargenton21@hotmail.com

Depois das três filhas que tiveram, o casal Evandro e Andréia Kich recebe a notícia que o 4º filho será um menino. Era a boa notícia que esperavam. Contudo, essa boa notícia vem acompanhada de uma grande preocupação: o filho que esperam tem Síndrome de Down.
Residentes da localidade de Farinhas Grande, interior do pequeno município de Iraí, situado no extremo norte do Rio Grande do Sul, a família Kich trabalha na agricultura, de onde tira seu sustento. As principais atividades são com gado leiteiro e a plantação de fumo. Ambas em pequena escala. Uma vida tranquila e harmoniosa de interior, contudo, com a sempre limitada condição financeira.

E eis que se deparam com essa questão para eles tão desconhecida: um filho com necessidades especiais. A mãe Andréia contou como foi o início desta descoberta: “Eu via que ele era diferente, a mãe sente. Mas o Mano (Evandro) não. Mas quando ele pegou o resultado, que o doutor disse, aí foi duro”. E Evandro acrescenta: “A médica disse que poderia ser que ele não ia falar e não ia caminhar. Mas não era disso que eu tinha medo. Eu tinha medo da rejeição.
Como é que vamos explicar pra ele se um dia ser rejeitado por alguém?”.

Miguel e família Foto: Pe. Mauro Luiz Argenton

Com pouco mais de um ano de idade, o pequeno Miguel vai dando sinais de que seu pai não precisa temer. Está quase caminhando, querendo balbuciar algumas palavras e brincando como todas as crianças. Conforme Andréia “ele já está bem arteiro”. A irmã Thaise, de 13 anos, diz: “às vezes eu até esqueço que ele tem Síndrome de Down”.
E a família Kich não tem dúvida ao afirmar que muito dessa surpreendente evolução deve-se a APAE. Duas tardes por semana mãe e filho percorrem cerca de 25 Km para que o Miguel receba o estímulo que precisa para o crescimento que tem apresentado. De acordo com Andréia, se não houvesse a APAE, “o Miguel não iria se desenvolver. Porque nós não íamos saber o que fazer. Iria ser ruim para nós e pior ainda para ele”.

A história do Miguel é como a de tantas crianças que através da APAE tiveram condições de viver com a dignidade e as condições que merecem. São histórias bonitas, mas poucos sabem que por trás dessas histórias há uma imensa dificuldade que é a manutenção das APAEs.
A APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), diferente da grande maioria das escolas, não está sob a responsabilidade do poder público. É uma ONG (Organização Não Governamental). Sendo assim, não tem fonte de renda permanente. O poder público assume parte das despesas, mas isso é insuficiente.
Diretora da APAE de Iraí, a professora Vanderléia Dahmer explica que a manutenção se dá pelos recursos transferidos pelo município e pelo estado, sendo recursos repassados pela união. Também conta com a cedência de professores e transporte escolar, por parte da Secretaria Municipal de Educação. Contudo, ela relata que apesar de contar com a boa vontade do poder público, a maior dificuldade da APAE é garantir o pagamento do salário dos profissionais que atuam na instituição, principalmente nas áreas da saúde e social: fonoaudióloga, fisioterapeuta, psicó

Equipe de funcionárias, mães e voluntárias trabalhando em promoção da APAE de Iraí dia 30/10/17 Foto: Pe. Mauro Luiz Argenton

loga e assistente social.
Em função disso, para garantir que os usuários tenham os atendimentos com os profissionais adequados, a diretoria da escola precisa realizar diversas atividades para arrecadar fundos, pois os repasses são insuficientes para manter os profissionais necessários, e sem o trabalho destes, o desenvolvimento dos alunos ficaria comprometido. Como foi possível ver no relato da família do Miguel.
A professora Vanderléia também destaca o auxílio da comunidade e do comércio. Segundo ela, são muitas as doações, os voluntários que ajudam nas festas promovidas pela APAE, a colaboração em rifas e outros eventos. E conclui: “se não fosse a ajuda destes, as portas de nossa instituição já estariam fechadas há tempo. Esperamos sempre contar com esses parceiros”. Com frequência a APAE de Iraí organiza promoções, especialmente jantares. E para isso, conta com grande número de voluntários que trabalham nesses eventos para amenizar a dificuldade financeira. Além das professoras e funcionárias, muitos pais e voluntários formam uma grande equipe de trabalho. Dentre esses eventos, se notabiliza a Janta da Polenta, já tradicional em Iraí, promovido todos os anos pela APAE.
Como pode ser visto no gráfico, a manutenção da APAE de Iraí se dá, em grande parte, pelo poder público (60%). Contudo, se dependesse apenas dessa fonte, não haveria mais como ajudar crianças como o Miguel e tantos outras. Além disso, a falta de recursos se torna a maior preocupação para quem dirige a APAE. Certamente, o estímulo e atenção dados aos alunos poderia ser ainda maior se não fosse preciso tanta preocupação em organizar eventos, rifas e trabalhos para arrecadação financeira.

Como a própria diretora da APAE diz: “infelizmente a maior preocupação com relação a APAE é a condição financeira. Nos entristece saber de tantos desvios de recursos, sendo que as instituições lutam com tanta dificuldade para manter-se”. A professora Vanderléia destaca também a errada destinação dos poucos recursos. Segundo ela, muitas vezes os recursos públicos são destinados para equipamentos, que se não houver profissionais para saber usá-los, serão de pouca utilidade. O que mais falta é recurso humano, e é esse que faz a diferença.
Portanto, é notável a contradição. O poder público consegue manter os professores, transporte, merenda, etc. Porém, o diferencial, o que realmente faz a APAE ser uma escola de educação especial, que são fonoaudióloga, fisioterapeuta, psicóloga e assistente social, depende de meios alternativos de arrecadação financeira.
A Secretária de Educação de Irai, Marlisa Guerra, também demonstra preocupação quanto a essa questão. Para ela “é inquestionável a importância do trabalho realizado pela APAE, ela agrega um ensino diferenciado que possibilita aos que realmente têm necessidades especiais a real inclusão”.
Marlisa explica que o Poder Público contribui com a APAE através de convênio que repassa anualmente 12 parcelas de 4 mil reais, além da cedência de professores e transporte escolar. Mas, com certeza, gostaria de fazer muito mais: “Gostaríamos de propiciar a esta importante e necessária entidade que luta incansavelmente para sobreviver em meio a esta crise, tudo o que precisa para se manter com qualidade. Mas os recursos disponíveis são limitados e são distribuídos de forma a subsidiar, infelizmente, somente parte das tantas necessidades apresentadas. O que impede é, indiscutivelmente, a questão financeira”.
Confirmando essa dificuldade, Leide Negrello, membra da diretoria da APAE de Iraí e ex-presidente, afirma que “a participação dos poderes públicos é muito pouco. Sempre falta recursos para pagar os profissionais da área da saúde”. Como voluntária, Leide se envolve com a APAE pois vê a melhora das crianças, jovens e adultos que frequentam essa escola especial. E sabe que a imensa maioria dos pais que têm filhos portadores de necessidades especiais, não podem ajuda-los como gostariam por falta de recursos financeiros.
E conclui falando da importância da APAE para a sociedade: “a APAE em nossa sociedade é de muita necessidade pois muitas crianças, jovens e adultos não têm como frequentar outra escola, pois estas não têm professores que possam atendê-los dentro de suas limitações. Na APAE eles têm atendimento individual e especializado”.
Enfim, Evandro, pai do Miguel, define bem a necessidade da APAE: “se fosse nós pagar o que o Miguel tem na APAE, nunca teríamos condições. Se o Miguel está crescendo tão bem, é por causa da APAE”.

*Reportagem produzida na disciplina de Redação Jornalística 2 como parte do jornal-laboratório on-line da turma. Leia outros textos em: http://decom.ufsm.br/redajor2/

Sobre o autor

mauroargenton21
Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria /campus Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul, Brasil.

Faça o primeiro comentário a "APAE: responsabilidade de quem?"

Leave a Reply