Assédio sexual em lugares seguros

Foto: André Luís

Denúncia pode ser feita com a ajuda de testemunhas

André Luís dos Santos e Raquel Martins da Costa

E-mail: andre.tlc@hotmail.com; raquel.dacosta@hotmail.com

Imagine passar a vida inteira com medo. Medo de sair sozinha, medo de andar pela rua, medo no seu local de estudo ou no seu ambiente de trabalho, entre muitas outras situações vividas diariamente por milhões. É com esse medo constante que as mulheres têm que aprender a lidar, desde jovens até a velhice, o medo de sofrer assédio ou abuso é incessante.
O assédio sexual não é paquera nem elogio. É uma manifestação grosseira, que muitas vezes acontece em lugares em que todos deveríamos nos sentir seguros, como instituição de ensino, ambiente de trabalho, locais públicos, entre outros, e ocorre independente da vontade da pessoa a quem é dirigida, e pode ser configurado como crime, dependendo do comportamento do assediador. O governo federal disponibiliza o número 180 (Central de Atendimento à Mulher) para mulheres denunciarem os casos de assédio. Mas em locais públicos ou privados, as vítimas dessas situações podem e devem buscar ajuda de um policial ou segurança do local. Em situações mais complexas, onde não há testemunhas, a vítima deve fazer a queixa em uma delegacia e abrir um boletim de ocorrência para dar seguimento a essa denúncia.
No caso do assédio sexual, o prazo para que a vítima ofereça uma representação contra o ofensor é de seis meses.
De acordo com uma projeção do IBGE no ano de 2016, as mulheres são cerca de 50,64% da população brasileira, ou seja, mais da metade, da mesma forma que são 50,94% da população gaúcha, mesmo assim acabam sendo tratadas como minorias. Só no primeiro semestre de 2015 a Central de Atendimento à Mulher Vítima de Violência do Governo Federal, registrou um aumento de 65,39% nos casos de estupros, tendo cerca de cinco relatos por dia.

Imagem: Raquel da Costa

A estudante de odontologia, Beatriz Souza Martins, 23, diz ter ficado surpresa com o assédio que sofreu dentro da universidade em que estuda: “Eu estava andando no corredor da minha faculdade, voltando da cantina pra sala de aula em um horário que geralmente não é de intervalo, quando passei por uma obra que estava sendo realizada em um dos anfiteatros”, foi neste momento que, segundo ela, aconteceu o assédio, por parte dos funcionários que trabalhavam na obra, que a abordaram com assovios e palavras constrangedoras. Beatriz diz ter ficado sem reação e chocada com o ocorrido, depois disso ela postou um texto no Facebook contando a situação e diversas mulheres responderam ao post com incentivos e histórias semelhantes. Segundo ela teve algumas pessoas que inclusive perguntaram se ela estava com roupas curtas, “Como se a roupa permitisse o assédio”, afirma.
Beatriz denunciou o ocorrido em uma comissão de proteção à mulher, na faculdade em que ouve o assédio, e entrou em contato com o centro acadêmico, que em conjunto à diretoria pediram esclarecimentos à empresa contratada e posteriormente divulgaram uma nota de repúdio. Segundo a estudante a empresa emitiu um parecer declarando que os trabalhadores que estavam envolvidos no ocorrido haviam sido suspensos por alguns dias.
A estudante ainda comenta sobre como enfrentou o fato: “Depois do ocorrido, aprendi que não devo me calar diante das situações. Ninguém é obrigado a se sentir constrangido ou com medo por conta de assédio. Hoje, me sinto mais forte por ter enfrentado a situação”, a entrevistada complementa ainda que as vítimas de assédio devem denunciar de todas as formas possíveis, pois as pessoas precisam perceber como a situação é grave e não encarar como algo normal.

Outra vítima, que deseja não se identificar, garçonete em um restaurante, contou como foi sofrer assédio durante as horas de trabalho. Desde jovem sempre quis ter independência financeira, e por ser mulher sempre convivi com o medo de sofrer assédio ou pior ainda, um abuso, mas temos que seguir em frente e viver nossa vida, eu não ia deixar que esse medo me fizesse desistir de ter o que eu queria, afinal eu não sou a única que se sente assim”. A vítima conta que no começo levava as investidas dos clientes como brincadeiras “assim era mais fácil”, comenta, porém, com o tempo ela percebeu que isso não devia ser visto como algo normal, que as pessoas não deveriam achar graça em perturbar uma mulher, ou que ela não devia se sentir constrangida em seu ambiente de trabalho. Em uma conversa com sua chefa a garçonete percebeu que tinha o suporte necessário para se sentir segura. “Depois disso diminuiu bastante esse tipo de situação, pois eu sabia que tinha apoio de pessoas que estavam ao meu redor”, conclui.
No trabalho, a vítima que for demitida injustamente ou que sofrer outras represálias deverá procurar o sindicato de sua categoria, para que este a represente perante a Justiça ou buscar o Ministério Público do Trabalho (MPT) da comarca da sua residência. A OIT, órgão das Nações Unidas, caracteriza assédio sexual no trabalho quando ele apresenta pelo menos uma das seguintes particularidades que atingem a pessoa assediada: ser claramente uma condição para dar ou manter o emprego; influir nas promoções ou na carreira; prejudicar o rendimento profissional; humilhar, insultar ou intimar.
Vítima também em seu ambiente de trabalho, uma jornalista que também preferiu não ser identificada, sofreu em silêncio durante meses. Assim que ingressou no mercado de trabalho, foi vítima de um chefe assediador. “Eu ficava nervosa quando ele chegava, eu emagreci 12 quilos de desespero por não saber lidar com a situação que ele estava causando”. Ela diz que teve medo e vergonha de falar com a família sobre o que estava acontecendo.
A psicóloga e especialista em casos de abuso ou violência contra a mulher, Luciana da Silva Lira afirma que: “é um massacre para a autoestima da pessoa. Ela vive uma prisão que é bastante fechada, ela dificilmente consegue sair dali sozinha, porque precisa que as pessoas validem aquele sofrimento dela dizendo ‘olha, você está sofrendo, você precisa de ajuda, isso tá errado’”, finaliza.
Natalia Andressa também foi uma vítima de assédio, só que dessa vez dentro da igreja em que frequentava, um dos lugares em que todos deveríamos nos sentir seguros. Ela e seus familiares iam em uma igreja onde todos confiavam e admiravam o pastor.
Hoje com 24 anos ela nos relata como o assédio aconteceu: “Tudo ocorreu quando eu tinha apenas 17 anos de idade, quando fui substituir minha mãe que era obreira e não poderia ir arrumar a igreja aquele dia. Quando terminei de arrumar e estava indo embora, o pastor me ofereceu uma carona, eu disse que não precisava porque morava perto da igreja, mesmo assim ele insistiu e acabei indo.” Natalia reforça o quanto confiavam no pastor e em como nunca imaginou que ele pudesse fazer algo. “Entretanto, no trajeto ele começou a fazer perguntas invasivas sobre meu relacionamento até com quantos anos eu tinha perdido minha virgindade, estranhei o comportamento dele. Então ele parou em uma rua pouco movimentada, e começou a passar a mão em mim e falar coisas obscenas, fiquei assustada sem reação e com muito medo. Ele só parou porque começou a passar pessoas na rua, e viu que eu não iria ceder. Ele me levou embora, cheguei em casa verde de medo, fiquei mais assustada ainda porque ele ficou me ligando, rodeando minha casa e eu estava sozinha”. A jovem conta como toda sua família ficou chocada com a atitude do pastor, e que apesar disso decidiram não fazer nenhuma denúncia, pois achavam que seria difícil alguém acreditar no ocorrido por conta do assediador ser o pastor da comunidade. “Decidimos sair da igreja e não tocar mais no assunto, porque mexia muito comigo, sentia medo e nojo e sinto isso até hoje.” Relata Natalia.

O que fazer
Segundo o delegado João Batista, da cidade de Irai, para que o agressor seja julgado por uma contravenção penal, como o assédio sexual, o processo é longo. Primeiro a vítima deve fazer uma denúncia em uma delegacia e abrir um boletim de ocorrência. Depois, precisa representar contra o agressor, ou seja, abrir um processo contra o homem que a agrediu. Apenas após manifestar esse desejo, a lei pode agir em favor dela. Segundo o delegado, o maior problema é que essa etapa é deixada para trás.
“A grande maioria dos crimes dessa natureza são subnotificados e entram nas chamadas cifras negras. Esse número se refere à porcentagem de crimes não solucionados ou punidos, o que prejudica as estatísticas. As mulheres não seguem com a denúncia até o final e então a polícia não tem como tomar providências necessárias”, afirma.

Para se defender: O delegado Batista aconselha, se for possível, que a vítima dê um grito de alerta para que as pessoas ao redor percebam o que está ocorrendo e que possam ser testemunhas na delegacia. É importante, também, que a mulher recolha o máximo de informação sobre o assediador, como sinal físico, tatuagens e roupas e, se for possível, que comprove com gravações, e-mails ou mensagens, aquilo que vem sofrendo.
As penalidades: De acordo com o artigo 216 do Código Penal, o assédio sexual caracteriza-se por constrangimentos e ameaças com a finalidade de obter favores sexuais feita por alguém normalmente de posição superior à vítima. A pena é de detenção e varia entre um e dois anos, caso o crime seja comprovado. A mesma legislação enquadra como Ato Obsceno (artigo 233) quando alguém pratica uma ação de cunho sexual (como por exemplo, exibe seus genitais) em local público, a fim de constranger ou ameaçar alguém. A pena varia de 3 meses a um ano, ou pagamento de multa.
Como e onde ocorre? O assédio pode vir de uma atitude verbal ou física, com ou sem testemunhas, e acontecer em salas de aula, ônibus, ambiente de trabalho, boates, consultórios médicos, na rua, em templos religiosos. O assédio não tem um local específico.
Paquera ou assédio: Quando um homem tem interesse em conhecer uma mulher, ou elogiá-la, ele não lhe dirige palavras que a exponham ou a façam sentir-se invadida, ameaçada ou encabulada. Caracteriza-se como assédio verbal (artigo 61, da Lei das Contravenções Penais n. 3.688/1941), quando alguém diz coisas desagradáveis ou invasivas (como podem ser consideradas as famosas “cantadas”) ou faz ameaças. Apesar de ser considerado um crime-anão, ou seja, com potencial ofensivo baixo, também é considerado forma de agressão e deve ser coibido e denunciado.
Segundo a psicóloga Luciana da Silva Lira, o assédio gera constrangimento e outros impactos psicológicos, como insônia, depressão, aumento de pressão arterial, dor no pescoço e transtornos alimentares (com aumento ou perda de peso). Ainda segundo ela a vítima de assédio muitas vezes se mantém em silêncio por medo do que pode acontecer, mas é possível identificar através de alterações no comportamento que a pessoa sofre assédio, como por exemplo, nervosismo, acanhamento demasiado, isolamento social e demais mudanças repentinas de personalidade.

Fonte: site Rota dos Feminismos.

*Reportagem produzida na disciplina de Redação Jornalística 2 como parte do jornal-laboratório online da turma.

Leia outros textos em: http://decom.ufsm.br/redajor2/

Sobre o autor

raquel.dacosta
Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria /campus Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul, Brasil.

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