Reversão sexual: a liminar que levantou discussão e gerou polêmica no Brasil

Fotografia: Renata Albiero

Ananda Rivero, Isabela Vanzin da Rocha e Renata Albiero

anandarz@hotmail.com, isabelavanzinrocha@gmail.com, @rerealbiero@gmail.com

A liminar proposta por Rozangela Justino em 2017 volta a caracterizar o homossexual como doente mental. Não é a primeira vez que este assunto polêmico é abordado no Brasil. Em 1990 a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou o homossexualismo da lista de doenças mentais, e em 1999 o Conselho Federal de Psicologia decretou proibida a prática da cura gay. Entretanto, em 2017, foi aberta uma nova discussão acerca do tema através de uma liminar judicial.

Através de terapias psicológicas e psiquiátricas, o profissional da saúde possui, hoje, a liberdade de atuar diretamente na orientação sexual do indivíduo desde que haja a solicitação dessa intervenção, mesmo não havendo embasamento científico que comprove a eficiência desse procedimento.

Fotografia: Renata Albiero

De acordo com Rosângela Binotto, bióloga doutora em Genética e professora na Universidade Regional Integrada (URI) campus de Frederico Westphalen, até a sexta semana de gestação, todo feto tem um órgão sexual único conhecido como gônada, que então se transformará dependendo dos hormônios recebidos, caracterizando-o como homem ou mulher. Essa definição se dá por meio da distribuição de cromossomos, XX para meninas, e XY para meninos. Os que possuem o cromossomo Y produzirão uma célula de Sertoli que vai produzir testosterona que formará o órgão sexual masculino. Já quem tem o cromossomo X, produzirá um tanto de hormônio e tem que ter 12 miligramas de testosterona por ciclo para continuar com o órgão sexual feminino. Porém, em alguns casos, profundamente dentro da célula, acontece uma recepção excessiva de hormônios. Na formação de uma menina, por exemplo, ela pode receber um número maior de testosterona do que o necessário para o feto, e quando acontece este excesso ocorre uma alteração. A gônada será formada conforme o cromossomo correspondente, mas o excesso de hormônio pode acarretar no desenvolvimento de um fenótipo, ou seja, de uma característica física masculina em uma menina.

O desenvolvimento comportamental de uma espécie depende de uma relação ambiental, fisiológica e anatômica, o que se chama dimorfismo sexual, como explica Rosângela. Essa mudança de hormônios e esta relação que alteram o desenvolvimento comportamental do ser humano, portanto, faz com que este se posicione emocional e comportamentalmente no mundo com características que são socialmente designadas como do sexo oposto. Assim se define a homossexualidade segundo a Biologia.

Em busca de conhecimentos sociais acerca da homossexualidade, conversamos com Graziela da Silva Motta, professora de Sociologia no Instituto Federal Farroupilha (IFF) de Frederico Westphalen. Segundo ela, existem diversas correntes da sociologia que indicam que gênero e sexualidade são socialmente construídos, e não biologicamente determinados. Logo, se um sujeito nascer com um órgão sexual masculino não significa que ele obrigatoriamente será um homem ou que assumirá papéis sociais específicos. No que tange a homossexualidade, ser gay é um estilo de vida, mais do que a pura prática sexual. É possível perceber que a própria denominação “homossexual” foi construída socialmente para designar sujeitos de um mesmo sexo que se relacionam. Ainda, esse termo se opõe à heterossexualidade, que também foi escolhida socialmente como padrão a ser seguido. Mas ao realizar uma retrospectiva histórica, essas denominações e seus sentidos não existiam como existem hoje. Por isso, a determinação do gênero e da sexualidade deveria ser uma escolha do sujeito e não uma imposição moral da sociedade, como acontece costumeiramente.

Para compreender a liminar

Rozangela Alves Justino, psicóloga brasileira, entrou com um processo judicial e liminar em Setembro de 2017 pedindo a autorização para desenvolver a terapia da reversão sexual com seus pacientes. A motivação para a atitude foi o fato de que essa profissional recebeu uma sanção disciplinar do Conselho Federal de Psicologia por estar aplicando essa terapia de reversão sexual, que até então estava proibida desde 1999.

Segundo Patrícia Stieven, advogada e professora de Direito na URI campus de Frederico Westphalen, essa liminar concedeu a Rozangela como uma medida provisória o direito de atender seus pacientes com terapia de reversão sexual, com a fundamentação de abertura à liberdade científica.

O que deve ser levado em consideração a respeito desta liminar, como comenta a advogada, é o fato de que caso esta proposta de reversão sexual seja autorizada permanentemente, muitas pessoas que ainda não possuem autonomia podem ser prejudicadas. Por exemplo, um cidadão que tem liberdade de escolha pode procurar a terapia para se entender melhor como pessoa, mas na hipótese da liberação deste procedimento indiscriminadamente, um adolescente que nasce em uma família tradicional e conservadora, que acredita que a homossexualidade é uma doença reversível, e se assume gay, pode ser submetido à reversão sexual por pressão e coerção familiar. Portanto, a questão vai muito mais além do que só liberar a “cura gay”, o problema são as repercussões jurídicas e pessoais que vão causar para essa minoria social LGBT+. A OAB se posicionou contra o processo tendo como embasamento o fato de que este gera consequências negativas.

Visão da Psicologia

Entrevista com Luzia Bruna da Rocha, 27 anos, formada em Psicologia na URI campus de Frederico Westphalen.

Repórter: Como a psicologia vê a homossexualidade?

Luzia: Como uma orientação sexual particular, por escolha ou por ter nascido com essa estrutura, com essa essência. Cada um é diferente do outro, não tem como você definir ou limitar. Cada um é diferente e tem uma motivação diferente.

R: Por que foi proibido o tratamento, e não se classifica mais como doença?

L: Por que não há embasamento científico que prove que isso é uma doença.

R: A homofobia é vista de que forma pela psicologia?

L: Cada caso é um caso. Às vezes você pode ser homofóbico porque nasceu em um ambiente familiar muito ruim, e isso desenvolveu em você. Tudo é fruto do ambiente onde você vive. A gente é um pouco inato, a gente sai um pouco das nossas raízes, sim saímos, mas é pouquíssimo. A gente respinga no mundo aquilo que respinga na gente, é uma troca.

R: Por que a liminar deveria ou não ser aceita?

L: Vai contra os direitos humanos, pode causar muita intolerância na população brasileira. É ilegal o tratamento.

Opinião pública

Ana Patrícia Ferreira Vanzin, advogada.

“A liminar apenas deixa evidente a liberdade do individuo em procurar tratamento psicológico para qualquer conflito que tenha. A resolução atacada na verdade não proibia tratamentos para quem quisesse readequar sua orientação sexual, ela desestimulava o profissional da psicologia taxar como doença ou prometer cura para homossexuais.

[…]

Não é porque toda a sociedade diz que o homossexual deve se assumir e se aceitar que não existam pessoas incomodadas dispostas a tratarem-se psicologicamente para estarem de nem consigo mesmo. Prega-se a liberdade, mas desde que seja nos limites em que a sociedade considera certo. Pra mim isso não é liberdade, é imposição de opinião com força de lei, revestida de modernidade e evolução”.

Eduardo Garlet, estudante de Letras.

“Eu tive meu primeiro contato homossexual quando eu tinha 14 anos e li um livro de Caio Fernando Abreu que se chama Morangos Mofados. Dentro desse livro tem um conto chamado Terça-feira Gorda. Eu lembro que peguei esse livro da biblioteca onde eu estudava e ele era para turmas à frente da minha. Eu comecei a ler ele em casa, e Caio Fernando Abreu nunca teve pudores.

Lendo este livro eu tive meu primeiro contato homossexual. Sua narrativa me proporcionou descobertas porque comecei a me imaginar naquele local, e comecei a descobrir que eu sentia desejo por homens. Costumo dizer que Caio Fernando Abreu me descobriu.

Eu fiquei muito confuso porque eu era muito novo. Com 15 anos tive meu primeiro contato físico com um homem, e eu sempre sofri bullying na escola, inclusive meu próprio irmão ficava me perguntando “tu é ou não é gay”, como um julgamento. Então um dia ele fez essa pergunta em um almoço de família e eu resolvi contar. Ele pediu se eu queria ajuda, se eu queria que ele me levasse no psicólogo. Eu lembro que falei pra ele que se ele quisesse me levar em um psicólogo era pra me levar em um bem bonito.

Meu pai e minha mãe falaram que sempre souberam que eu tinha “jeito pra ser gay”, minha mãe falou que já sabia desde que eu era pequeno e estava esperando que eu contasse pra ela. Eu acredito que a coragem de contar para a família é algo decisivo na vida de um homossexual, pois a partir do momento em que eu me aceitei, eu senti como se um peso tivesse saído de mim.

Sobre a reversão sexual… Se formos parar para pensar, por que é reversão? A gente quer passar aquele sujeito que está em um estado homossexual para o heterossexual. Então a gente pode classificar essa “cura gay” como um extermínio, pois a gente “cura” algo do que a gente quer se livrar.

[…]

Eu sou pessoa, eu tenho direito de ter saúde de qualidade assim como uma pessoa heterossexual tem. A partir do momento em que eles não abrangem saúde pra mim, eu não sou mais considerado uma pessoa que tem seus direitos garantidos. Isso não acontece só no tratamento de cura gay, mas também com quem é travesti, transexual, pra quem é transgênero, que precisa de um tratamento diferenciado de saúde e muitas vezes não tem.

Minha maior preocupação, além de toda essa desqualificação causada por um tratamento que não é eficaz, é que ele cria um estereótipo de pensamento do homossexual. Muitas vezes as pessoas não sabem como classificar a homossexualidade e a veem como doença, e isso cria uma visão negativa. As pessoas começam a pensar que os homossexuais são uma doença. Isso cria preconceito e só traz coisas negativas. É retrocesso. Isso afeta a maneira como eu vivo na sociedade, pois promove um preconceito que pode acabar em agressão ou xingamentos”.

Essa discussão parte de um princípio cultural, antes de ter origem judicial ou científica. Além disso, quando falamos em “reversão” remetemos ao sentido de “voltar ao princípio”, e como já foi apresentado, não há possibilidade reverter a homossexualidade, tendo em vista o processo biológico. Vale salientar também que práticas de tratamentos como essas terapias psicológicas causam transtornos de identidade no paciente, que procura um profissional habilitado por se sentir frágil e oprimido.

A liminar de reversão sexual levantou debate em todo o país, dividindo opiniões e colocando o tema em evidência. Essa é uma questão importante para que haja conscientização acerca do assunto, mas também é de difícil abordagem, pois abre espaço para discursos homofóbicos, um problema grave no Brasil.

*Reportagem produzida na disciplina de Redação Jornalística 2 como parte do jornal-laboratório online da turma.

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Sobre o autor

Isabela Vanzin da Rocha
Estudante do curso Bacharelado em Jornalismo, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), campus Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul, Brasil.

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