Transporte rodoviário: paradas que deslocam histórias

Rodoviária de Frederico Westphalen e os personagens de muitos destinos

Camila Wesner e Christian Malheiros

camilawesner@hotmail.com; christian.mmalheiros@outlook.com

Cada passageiro que passa por uma rodoviária, carrega consigo uma história repleta de emoções e, principalmente, um destino. Na Rodoviária de Frederico Westphalen não é diferente. Por ela, semanalmente passam em torno de 500 pessoas, sendo a sexta-feira o dia de maior movimento, todos com diversos caminhos a percorrer através da estrada. São variadas as empresas de ônibus que por ali passam, assim como as histórias dos funcionários.

 Na rodoviária de Fred West, como muitos brincam, mais de 10 funcionários são responsáveis pelo seu funcionamento. Agentes de caixa, faxineiras e secretária. Uma dessas histórias é de Lucemar Prichula que tem 47 anos, sendo 25 anos trabalhando como agente de caixa ou agente de passagem, como são nomeados esses funcionários.
Ela é encarregada de oportunizar encontros que nem imagina, além de atender muitas pessoas que buscam informação. Em um desses casos, recebeu o telefonema de uma professora que reside em Uruguaiana. “Na ocasião eu atendi, ela precisava de um favor e a gente fez. Não nos conhecemos pessoalmente, mas a gente conversa, se conhece por foto. Converso com ela sempre”, conta Lucemar.
Outra funcionária de longa data, é Ivani Polli que com seus 64 anos, está há quase 10 anos trabalhando como faxineira na rodoviária, mas agora já encaminhando seus papéis para a aposentadoria. Sempre que vê olhinhos brilhando e insistindo por um brinquedinho da lojinha ao lado, ela contribui com algum trocado. Além de ajudar as crianças, são os adultos que possuem uma gratidão ainda maior por ela, pois diversas vezes Ivani colaborou com o dinheiro que faltava para o valor da passagem. São R$ 5,00 aqui, R$ 10,00 ali e até mesmo R$ 20,00. “Dali dois ou três meses, aparece um presente ou voltam me devolver o dinheiro. Assim, eu nunca perco com o que ajudei”, relata a funcionária.
O movimento diário traz alguns rostos conhecidos e as vezes até indesejáveis, já que qualquer ambiente público está sujeito a perturbações e quando ocorrem, medidas são tomadas. “Pessoas alteradas e também aqueles que fumam em lugar coberto, incomodam os passageiros e até mesmo a gente. Essas coisas atrapalham bastante e as pessoas não reconhecem”, relata Lucemar, que hoje em dia não tem mais receio em chamar a atenção de tais pessoas, “as vezes vai ali para o bem e é agredido, nunca ninguém veio atacar fisicamente, mas verbalmente seguido acontece”.
Apesar disso, outros personagens que acrescentam muito a essa história, são os funcionários das empresas de ônibus. Dificilmente encontramos mulheres nessa profissão, mas conhecemos Celis Cristine Sehnem, ela tem 24 anos e há apenas 5 anos trabalha como cobradora. Todo esse incentivo vem de seu pai, Cláudio Sehnem, 54, que trabalha como motorista de ônibus há 23 anos. Celis almeja ser motorista como seu pai, pois desde seus 2 anos já brincava dentro do veículo de transporte, “quando ela chegava no ônibus, entrava e saía brincar, caminhava no corredor com lápis na mão, tirando a passagem”, conta o pai orgulhoso. Celis iniciou a faculdade de Ciências Contábeis, mas não conseguiu se adequar pois não era o que gostava, “aqui eu não vejo o tempo passar, os dias, os meses voam, tu não olha pro relógio, conversa com todo mundo, cria uma amizade com todo mundo”, afirma Celis.
Mas a profissão requer coragem em alguns momentos. A cobradora que já presenciou acidente com morte, afirma que o emocional fica abalado com toda a situação, pois para quem trabalha na estrada se torna chocante. Cláudio com sua vasta experiência, também já observou muitos acidentes, assim como teve que parar o ônibus para a retirada de passageiros alterados, em casos mais graves, indo diretamente até o posto mais próximo da Brigada Militar. Apesar das diversas ofensas que já ouviu, para ele é gratificante ser motorista de ônibus, “você está o dia todo envolvido com pessoas e à noite está com tua família em casa”.

Terminal rodoviário de Frederico Westphalen
Foto: Christian Malheiros

Mas não poderíamos concluir esta matéria sem mencionar os principais personagens desta história, os passageiros. Aqueles que vivem entre idas e vindas, de pontos improvisados em beira de estradas ou simplesmente aquele primeiro bom dia que a nossa agente de caixa Lucemar receberá. O transporte rodoviário que hoje já não é mais tão contemporâneo assim, ainda possui uma grande importância para muitas pessoas chegarem aos destinos mais variáveis possíveis, ou assim só se locomoverem até a cidade mais próxima. Como é o caso da senhora Margarete Mitrus, residente da comunidade Vila Carmo, que fica aproximadamente a 15km de Frederico. “Eu venho pra cá para receber do leite, e pagar as contas”, diz a senhora de 54 anos que sempre residiu no interior, mas que sempre vem amenizar a saudade da filha que mora no município. “Quando venho, dou um pulinho lá para ver ela”.
São essas pequenas contribuições recheadas de sentimentos paralelos que propuseram uma experiência ímpar ao conhecer um pouco da vida de três amigos mochileiros de Buenos Aires (Argentina), que estão viajando pela América do Sul. Sérgio Alfredo é o que está a mais tempo na estrada. “Estou viajando há cerca de dois anos, mais ou menos, com destino à Colômbia. Agora, viemos para o Brasil para mostrar o nosso artesanato, um pouquinho de música, às vezes caminhamos pelas ruas, pelos terminais, pelos parques e as praças”. Além de Sérgio, Mayra Agostina Bonis e Gabriel Gonzalez estão há cinco meses viajando, os três já conheceram países como Chile, Bolívia e Peru.

Trio viaja pela América Latina em busca de novas experiências
Foto: Christian Malheiros

Durante a conversa perguntamos por que eles decidiram fazer isso e Sérgio relata como é sair da zona de conforto e experimentar um pouco dessa liberdade dinâmica. “A gente sai da rotina de todos os dias, conhece pessoas, comidas, culturas, muitas coisas. Aprendemos que com pouco se pode viver. A gente acaba entrando em outro estilo de vida, muitas coisas podemos viver. Não sentimos falto do luxo, nem nada”. Chegando ao final da entrevista interpelamos uma pergunta sobre suas viagens, se eles acabam usando muito o transporte rodoviário, “pegamos carona, às vezes ônibus, mas para cá nós viemos de ônibus. E, em diante, cruzamos por Panambi, Santa Rosa, Três Passos e agora aqui”, disse Mayra. O próximo caminho será Florianópolis, para aproveitar um pouco da praia e se despedir aos poucos do Brasil onde, segundo eles, é lindo e as pessoas são totalmente solidárias.
Essas e outras histórias nos emocionam e trazem conhecimentos mais amplos de outros estilos de vida, assim como relatos que constroem amizades de longa data. A cada parada de ônibus, na estrada ou quando chegamos ao destino, uma rota é traçada, sentimentos e um espírito de recomeço nos invade, sendo uma nova semana, um novo lugar, até mesmo uma nova vida. São esses transportes que proporcionam muitas experiências, seja para quem viaja ou para quem trabalha para esses passageiros.

*Reportagem produzida na disciplina de Redação Jornalística 2 como parte do jornal-laboratório online da turma.

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Sobre o autor

camilawesner
Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria /campus Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul, Brasil.

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