
Juliana Spanevello, intérprete da música nativista durante apresentação de uma de suas músicas/ Foto: Joca Martins
Elas não se importam de tirar o salto se o pé doer no meio da música, elas não se importam se a maquiagem borrar no meio da música, elas não se importam se o cabelo não estiver nos melhores dias. Afinal, o chapéu é um baita adereço. Assim, elas sobem aos palcos e mostram que a voz feminina esteve junto com festivais de música nativista desde o início.
Em 1971, no Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Sinuelo do Pago, em Uruguaiana, realizou-se a primeira edição da Califórnia da Canção Nativa, o primeiro Festival de músicas regionais gaúchas. Que em sua primeira edição já contou com a presença feminina no palco, a música vencedora da primeira edição “Reflexão” interpretada por Grupo de Arte Nativa Marupiaras contava com a presença da Cecília Fagundes Machado.
Desde então, a música nativista vem se renovando e a cada edição, de aproximadamente 40 festivais que ocorrem a cada ano, novos talentos surgem, entre eles crianças, jovens e claro, as mulheres que apesar de estarem representadas em menor número, se fazem presentes na história da música regional gaúcha.
A “luta” pelo espaço conquistado

Liliana Cardoso apresentando a 32ª edição do Carijo da Canção Gaúcha em Palmeira das Missões-RS / Foto: Cíntia Henker
Os festivais de música nativista nascem com a proposta de valorizar a cultura por meio da música, exaltando expressões típicas, a lida do campo, paixões e aflições. Num contexto em que esse cenário é compreendido como machista e conservador, as mulheres vêm quebrando as barreiras do preconceito e ocupando seu espaço, seja interpretando, escrevendo, compondo ou até mesmo apresentando, como é o caso de Liliana Cardoso. Natural de Porto Alegre/RS, mulher, negra e figura marcante nos Festivais Nativistas, representa a figura feminina no cenário cultural gaúcho.
Iniciou a declamar poesias aos nove anos de idade por influência de seu pai, um apaixonado pelas tradições gaúchas. Sua primeira atuação como apresentadora foi no Festival Minuano da Canção, realizado na cidade de Santa Maria/RS. Desde então, a declamadora deixou sua marca registrada nos palcos do Estado Sulista. “Sinto como se estivesse representando milhares de mulheres negras, que não tiveram oportunidade de atuar como protagonistas para a visibilidade e importância da mulher negra que é pouco valorizada no cenário gaúcho”, relata Liliana.
De Meninas a Mulheres
“Acredito que a presença da figura feminina é muito importante, sempre enriquecendo e acrescentando à cultura grandes interpretações e belas obras, mas percebo que é restrito o espaço e acredito que poderiam haver mais oportunidades para mulheres”. É o que diz a intérprete Kerly Mess, natural da cidade de Santo Ângelo/RS, que iniciou sua participação em festivais aos 27 anos.

Kerly Mess em apresentação no Festival Canto Missioneiro/ Foto: Cleusa Jung
Incentivada pela família, sua primeira interpretação foi no palco do Canto Missioneiro da Música Nativa, realizado em sua cidade natal. Hoje, Kerly percebe uma queda significativa da participação de mulheres nos festivais adultos, ao contrário dos festivais de categoria mirim e juvenil, onde a maioria das participantes são meninas.
Muitas pessoas alegam um certo machismo nesse cenário, onde homens têm uma participação muito maior, e de fato a participação masculina ainda é em maior número. Mas, com o empoderamento feminino que tem se intensificado nas últimas décadas a mulher está conquistando seu lugar no cenário nativista e isso tem contribuído com o crescimento do número de participantes femininas em eventos como esse. Confira os relatos de mulheres que, apesar de não subirem ao palco, acompanham o cenário musical nativista.
As mulheres passaram por muitas lutas mas também grandes conquistas foram alcançadas. O documentário “A representação das mulheres na música nativista” relata a realidade delas nesse cenário, confira:
Entenda como tudo começou

Grupo Marupiaras, vencedores da 1ª Califórnia da Canção Nativa / Foto: Arquivo GaúchaZH
O primeiro festival de música regional gaúcha, a Califórnia da Canção Nativa, nasceu em 1971 no CTG Sinuelo do Pago em Uruguaiana, idealizado por Colmar Duarte. Insatisfeito por sua música denominada “Abichornado” não ter passado em um festival de Música Popular Brasileira (MPB), sob justificativa de possuir termos regionais demais, decide criar um festival somente com músicas regionais gaúchas. Então surge a Califórnia da Canção Nativa, termo que significa “conjunto de coisas belas”. O troféu Calhandra de Ouro, entregue à música vencedora, faz referência a uma ave, que ao ficar presa, para de cantar e morre, o que representa a música e sua liberdade de criar.
Após a Califórnia, surgiram vários outros festivais nativistas no Rio Grande do Sul, principalmente na década de 80, como o Carijo da Canção Gaúcha de Palmeira das Missões, a Coxilha Nativista de Cruz Alta e o Musicanto Sul Americano de Nativismo de Santa Rosa. Os festivais iniciaram o movimento musical nativista no Estado resultando em um aumento da produção fonográfica e, como consequência, incentivando novos compositores, instrumentistas e intérpretes.
Segundo o portal de notícias Identidade Campeira, no ano de 2017 foram realizados 63 eventos nativistas, incluindo festivais de interpretação, músicas inéditas e declamação de poesias O cenário ainda tende a crescer no Rio Grande do Sul com as leis de incentivo à cultura.
Ouça a digitalização do LP da 1ª Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul.
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