A busca nociva causada pela falsa perfeição da rede social impulsiona cada vez mais transtornos psicológicos

LETÍCIA CHIARELLO GAZOLA
REPORTAGEM REVISTA MEIO MUNDO
EDIÇÃO 10.
Créditos: Pamela Galdino e Caroline A.
Felicidade infinita, cabelos esvoaçantes, sorrisos, viagens, produtos milimetricamente “espalhados” por uma bancada de banheiro digna de filme, um corpo incrível, aquele look planejadamente despojado, dias agitados e muita alegria para compartilhar. Um ângulo que valorize, milhões de selfies, fotos “espontâneas” previamente calculadas, iluminação perfeita. Apenas o lado bonito da vida estampa o feed de milhares de jovens que compartilham a sua rotina no Instagram, rede social que tem como foco principal a postagem de fotos e vídeos. Para isso, constroem uma existência fictícia que representa apenas uma fração de suas vidas, enquanto, por outro lado, ainda sonham em ter a realidade que veem em outros perfis.
O desejo de satisfazer a expectativa do outro sempre esteve presente no ser humano. O Instagram mostra claramente esse querer, sendo uma rede social composta por imagens, destinada à uma geração que supervaloriza as aparências. O resultado da publicação da foto é medido por quantas curtidas ela recebe: se tiver muitas, atingiu a expectativa; se tiver poucas, é melhor apagar, pois não foi aprovada. Todos os usuários julgam e são julgados ao mesmo tempo, assim, o desejo de ser aprovado pelo outro, que perdura desde que existimos, está condensado hoje na palma das mãos, e é possível acessar com um simples toque na tela do celular.
Tanto a busca por curtidas e aceitação, quanto a simulação de uma vida perfeita, podem trazer problemas. A Royal Society for Public Health, instituição britânica para saúde pública, em parceria com o Movimento de Saúde Jovem, aponta o Instagram como a rede social mais nociva para a saúde mental. O estudo cita que o uso excessivo do aplicativo pode influenciar negativamente na autoimagem, causar insônia e FOMO, sigla para fear of missing out, o medo de se sentir de fora dos acontecimentos. Além disso, pode desencadear isolamento, depressão e ansiedade.

Mas como uma mera rede social pode causar tantos problemas? Segundo a psicóloga Mônica Marcon, de Frederico Westphalen, o Instagram é um universo paralelo à nossa realidade. Nele, tudo é perfeito, as viagens são incríveis e todos são o estereótipo de felicidade e beleza. Com isso, cresce um desejo desenfreado de possuir uma vida que não existe, além de uma insatisfação própria: “Os jovens estão com o cérebro se formando biologicamente, e ele vai se desenvolver até os vinte e poucos anos. Eles perdem três horas ou mais com uma tela de celular na mão, comparando a sua vida (com a dos outros). Esse é o problema. Como é que eles vão desenvolver o cérebro adequadamente se perdem tempo com esse tipo de coisa? Geralmente é uma experiência negativa, porque seguem uma pessoa que tem uma vida totalmente diferente da deles, sendo que, às vezes, nem é a vida da pessoa”.
O estudo da Royal Society for Public Health sugere que as plataformas alertem, através de um pop-up, toda vez que houver uso exagerado, que auxiliem a identificar sinais de que os usuários estão passando por problemas de saúde mental, através do conteúdo publicado, e que ofereçam algum tipo de assistência emocional a essas pessoas. Em resposta, o Instagram passou a oferecer suporte para quem pesquisa pelos termos “ansiedade”, “depressão” ou “suicídio”. Ao digitar uma dessas palavras, a rede social abre um aviso: “Publicações com as palavras ou tags que você está procurando muitas vezes incentivam um comportamento que pode fazer mal a uma pessoa e até levá-la à morte. Se você está passando por uma situação difícil, gostaríamos de ajudar”. Caso o usuário aceite a ajuda, ele tem três alternativas: falar com um amigo, falar com um voluntário da linha de apoio (Centro de Valorização da Vida – CVV) ou receber dicas sobre saúde mental. Além disso, foi desenvolvido um mecanismo que mostra o tempo que o usuário usa o aplicativo por dia, tendo a possibilidade de acionar um alarme de uso excessivo, configurado pelo usuário.
Para o estudante de Relações Públicas Renan Rodrigues, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a relação com o Instagram estava sendo tóxica. Muitas vezes ele desistiu de postar fotos, pois não sentia que atingia os padrões de outros perfis. Ao analisar a situação, passou a gerenciar o tempo no aplicativo, tendo como meta passar dez minutos por dia na plataforma e dedicar esse tempo para ver fotos de bailarinos, de roupas e perfis de alguns amigos, ou seja, somente conteúdos que possui interesse. Mas como Renan consegue acessar apenas tópicos que sejam benéficos para a sua saúde mental? O aplicativo desenvolveu um método de algoritmos com o objetivo de que as publicações mais relevantes para a experiência de cada usuário apareçam em seus feeds. A rede leva em consideração três fatores: a temporalidade, pois pesquisadores analisaram que os usuários querem ver conteúdo novo e recente a cada vez que usam o aplicativo; os relacionamentos, o Instagram analisa os perfis com os quais você se relaciona mais para entender a relevância das postagens feitas para a sua experiência, e o engajamento, tendo maior chance de publicações com muitas curtidas e comentários serem exibidos para mais usuários.
Musas fitness

São comuns os perfis de homens e mulheres que seguem um padrão de beleza, em que a imagem de um estilo de vida saudável é facilmente vendida para o público. Dietas, que antes eram muito conhecidas em grupos de apologia à anorexia e bulimia, tais como low food (pouca comida) e no food (sem comida), passaram a se popularizar como um estilo de vida saudável no Instagram. Além da maioria das musas fitness não possuírem bagagem profissional para indicarem dietas e exercícios, elas passam a imagem de resultados milagrosos. Foi o que aconteceu com a estudante universitária Nicole Ramos*, 19 anos, que percebeu que estava sendo influenciada de forma negativa nesses temas e, a partir disso, ela decidiu filtrar suas redes sociais e deixar de seguir perfis que lhe causasse frustrações com o corpo.
Um exemplo recente é o de Mirian Bottan, 32 anos, que há alguns anos compartilhava sua rotina de dietas e exercícios, incentivando seus seguidores a optarem por uma vida saudável. Entretanto, ninguém imaginava que, por trás da imagem de corpo saudável, havia uma mente doente. Pelo Instagram, ela contou sobre a experiência: “Eu postava a minha rotina fitness, mas escondia que era bulímica. Fui percebendo que aquilo não estava me levando a lugar nenhum, porque todos meus problemas continuavam ali”. Além disso, Mirian desenvolveu ortorexia, uma obsessão por alimentos saudáveis. Percebendo a situação, a influenciadora digital tomou uma medida drástica. Em agosto de 2017, decidiu apagar o passado de blogueira fitness da rede social e começou a dar unfollow em perfis semelhantes, em que os conteúdos eram pretensiosos. Após a “desintoxicação”, conta que passou a postar no Instagram sua caminhada de autodescobrimento, de uma “Mirian” além do corpo. Agora, ela alerta também sobre o perigo de seguir dietas de blogueiras e suas opiniões sobre alimentação e saúde.
Hoje, a influenciadora faz parte de uma comunidade do Instagram que luta contra a glamourização de transtornos alimentares na rede social. “Não é que você não pode mais querer emagrecer, não é que agora você é obrigada a se amar do jeito que é, não é nem que você não possa ter um ‘tanquinho’ como seu principal objetivo. Você precisa existir dentro desse corpo, senão, nada fará sentido”, escreve em seu perfil do Instagram. Esse tipo de conteúdo produzido por Mirian vem inspirando outras mulheres a verem a si próprias para além da imagem.
A realidade perfeita não existe. É necessário atentar-se para os motivos que fizeram com que a postagem no aplicativo se tornasse algo mais atrativo do que vivenciar momentos e compartilhá-los de modo saudável. Não há sentido em dedicar grande parte do tempo desejando ter e ser o que não se é, de fato. Pensando nisso, Renan, Nicole e Mirian colocaram em prática medidas para cuidar do bem estar, tanto reduzindo o tempo nas redes sociais, quanto aproveitando melhor o convívio social, afinal, a vida é muito mais do que um clique.
Letícia Gazola
Créditos: Pamela Galdino e Caroline A.
https://pixabay.com/pt/ ( Banco de imagens)
Be the first to comment on "A vida perfeita no Instagram"