Museu de Venâncio Aires: Um Museu de Muitos Donos

A singular história de um museu que surgiu com o apoio da comunidade sem nenhum centavo em caixa do Núcleo de Cultura de Venâncio Aires. ” Uma cidade sem memórias, é uma cidade sem histórias”. 

 

Brenda Daniela

Frederico Westphalen 

     “Eu vejo o Museu como um guardião da história, um guardião da cultura e do povo, porque nós temos muito, não só as peças (…) tudo o que o museu representa. Ele é uma certeza de que a história do nosso município, que a história dos nosso antepassados, elas não vão ficar pra trás. Através do Museu, nós temos a certeza de que venha o que vier (…) isso ainda vai se perpetuar, a história e a cultura do nosso povo.” É o que afirma o Auxiliar de Acervo, André Josias Pinheiro, 24 anos e funcionário do museu há aproximadamente oito anos. 

    O Museu de Venâncio Aires é conhecido como “Um Museu de Muitos Donos”. Embora essa seja uma frase de efeito, ela não deixa de ser verídica e isso se confirma com a trajetória e linda história do Museu, que é parte do Núcleo de Cultura de Venâncio Aires (NUCVA). Fundado em 10 de dezembro de 1987, o NUCVA é uma entidade não-governamental, sem fins lucrativos e que atua em diversas áreas culturais. É associado ao Conselho Internacional de Museus- ICOM- BR sob o nº 15770. 

     O Museu de Venâncio Aires nesse período de pandemia estava atuando de portas fechadas para visitação de salas expositivas, somente com funcionamento interno e administrativo. Durante a primeira semana de julho de 2021, a Casa de Cultura anunciou em redes sociais o retorno das visitações guiadas, seguindo todos os protocolos de prevenção ao Covid-19, com espaços para visitas de terças a sextas-feiras, das 14h até as 16h e 30 min. 

     André relatou que atualmente o museu se mantém com o pagamento das salas alugadas no edifício que pertence ao museu (Edifício Storck), mas principalmente através do atual projeto: ” Catalogação de Acervos de Hemeroteca e Discoteca do  Núcleo de Cultura de Venâncio Aires”. Os salários dos funcionários tem praticamente o valor mais alto, entre outras taxas. O projeto paga os funcionários, as taxas e os materiais usados para armazenamento, limpeza e catalogação das peças. 

     O Museu foi fundado em 26 de outubro de 1994 e surgiu de uma forma bem dinâmica e diferente do habitual, se comparado com a história de fundação de outros museus. Tudo começou com o doutor Flávio Luís Seibt, 74 anos, médico pediatra aposentado há mais de 10 anos e atual tesoureiro do Museu. 

     Flávio Seibt, foi o primeiro pediatra do município de Venâncio Aires, em entrevista ele fala de sua ligação com o Museu: ” Posso me colocar como um dos pais da criança (museu), sou o mentor intelectual, partiu de mim a ideia da criação do Museu de Venâncio Aires, adotada pela comunidade a sugestão e para minha surpresa a comunidade o dimensionou muito maior do que eu imaginava”. 

     Em um certo momento de sua profissão como médico, um paciente não poderia pagar pelas consultas de suas filhas e em troca ofereceu ao doutor um relógio de bolso muito antigo (que hoje é a peça número um do museu). Flávio ficou encantado com o objeto de época e de valor. O paciente pediu que o doutor comprasse peças antigas dele. O próximo encontro foi marcado por um conjunto de porcelanas de guardar mantimentos, de oito peças que ele só havia visto em dois museus na europa e incompletos. Os utensílios eram escritos à mão e hoje fazem parte do acervo do Museu. 

     A partir desse momento, Flávio foi comprando e criando uma pequena coleção. A história se espalhou pela cidadde. Juntamente com alguns representantes do Núcleo de Cultura foi sugerida a ideia de criar um Museu. Foi realizada uma Campanha nas rádios e jornais da cidade para a arrecadação de peças e utensílios. Em um tempo recorde de duas semanas, as arrecadações foram tantas que a sala particular que havia sido cedida por Seibt para guardar os futuros acervos, já não tinha mais espaço suficiente. 

     Flávio relata que nesse período havia um edifício muito bem localizado na rua principal da cidade, Rua Osvaldo Aranha, que estava praticamente abandonado e era motivo de especulação imobiliária. O Edifício pertencia à família de seu Goswino e sua esposa Dolores Storck, que também foram farmacêuticos. O prédio chamou a atenção da equipe do Núcleo de Cultura, principalmente de Seibt, porém o valor da compra era muito alto. Equivalente a 500 mil dólares na época e com o valor do câmbio modificado, ficava em torno de 500 mil reais. Para muitos, parecia algo absurdo e impossível de conseguir já que o caixa do Núcleo estava zerado. 

     Flávio foi ambicioso e constatou que se os resultados da campanha de arrecadação de acervos fora um sucesso, uma nova campanha para a compra do Edifício Storck, também seria. E assim aconteceu. Novamente eles foram às ruas, fizeram uma grande campanha e Seibt afirmou que foi fundamental o apoio da impressa de Venâncio. 

     A equipe do Núcleo chegou após algumas reuniões, chegou a conclusão de que queriam comprar o edifício de mil  trezentos e vinte e oito metros quadrados. A segunda campanha que visava a compra do prédio, foi, novamente, um sucesso. Foram muitos doadores, entre eles empresários, deputados e até o cidadão comum. E é por esse motivo que hoje o Museu é conhecido como Um Museu de Muitos Donos, pois sem o apoio da comunidade, ele certamente não existiria. 

     É válido destacar a importância do Edifício Storck, que hoje é o atual prédio que abriga o Museu. Sua construção iniciou no ano de 1929, pelo mesmo arquiteto que projetou a Igreja Matriz São Sebastião Mártir de Venâncio Aires, que é a segunda maior igreja em estilo neogótico da América Latina, como também projetou a Catedral da cidade de Santa Cruz do Sul, que é a maior igreja da América Latina. O arquiteto alemão Simão Gramlich, também projetou outras importantes construções no nosso estado gaúcho e também no estado de Santa Catarina um grande prédio industrial. Na região gaúcha, a única construção não-religiosa feita pelo arquiteto, é o atual edifício do Museu. 

     O Museu de Venâncio Aires tem duas salas fixas de exposição. Uma delas é sobre a História do Museu de V. Aires, e a outra é sobre Arqueologia. Além dessas, existem outras 6 salas rotativas de exposição, que geralmente são temáticas. No momento, uma das salas está com exposição dos vestidos das Rainhas da FENACHIM- Festa Nacional do Chimarrão, uma famosa festa tradicionalista do município.  Uma curiosidade do Museu, é que ele também possui um acervo que foi doado pelo Consulado da República Tcheca. O consulado já fez algumas visitas para o Museu, a última foi no ano de 2020. 

     Seibt ainda destaca: ” O prédio foi tombado como patrimônio municipal, arquitetônico municipal e como patrimônio estadual pelo IFAI também. Inclusive, o primeiro com o próprio acervo também”. O que faz do Museu de Venâncio Aires diferente dos outros museus é a sua singularidade. A sua particularidade é sobre essa peculiar história de como iniciou-se um museu de forma tão rápida, com zero centavos em caixa e que se tornou algo tão grande. “Atualmente, pela primeira vez, desde a fundação em noventa e quatro, não tenho ido toda hora lá por causa do Covid”. É a fala comovente de Flávio. 

     Flávio faz uma declaração sobre o que o Museu é para ele: ” É um filho (…). Então o Museu é isso, é a saudade que eu sinto de não poder ir lá toda hora e na realidade eu me preocupo que não consegui restaurar o prédio, e com a situação atual econômica do país e política, estou tendo dificuldades (…)”. 

     É muito evidente a importância do Museu de Venâncio Aires para todos que o conhecem e para os que ainda irão o conhecer. Afinal, ele é um grande responsável por preservar a história do município, dos imigrantes, dos nossos antepassados e de todas as coisas que um dia já foram  tão presentes e hoje estão na memória e no coração do museu e das pessoas. Flávio completa: ” Então o Museu é o maior demonstrativo de cidadania, de respeito com os antepassados (…), então eu acho que pra mim é eu último trabalho, a última coisa que eu vou fazer na minha vida de importante”. 

     Muitas foram as histórias e memórias compartilhadas por André e Flávio, que ficou claro o carinho pelo Museu. O acervo não para de crescer e o Museu continua recebendo doações. Flávio ainda brinca que fazer museologia é fazer alquimia. Ele agradece o apoio da comunidade local e que se hoje o Museu existe, é por conta do povo venâncio-airense que tornou o Museu, em um “Museu de Muitos Donos”.

Foto do antigo Edifício Storck/ Realejo um dos principais acervos/ Coleção Noivas de Pretos um dos principais acervos.

Confira a entrevista completa com o André Pinheiro em: https://drive.google.com/file/d/1uL8XaYkD3tAeXsgHaLOUKpRB74WDaVdV/view?usp=sharing

Entrevista completa com Flávio Seibt em: https://drive.google.com/file/d/13Jfo7rOia4cBzfUwmJWWYnqzH2VF7goG/view?usp=sharing

Por Brenda Daniela

Atualização em 18/11/21

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danielabrenda19
20 anos Acadêmica de Jornalismo pela UFSM-FW.

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