Outro olhar sobre o garimpo

O garimpo além da superficialidade do turismo

Fábio Pelinson

O garimpo sempre foi algo que me chamou a atenção. Tudo bem, sei que muitos estereótipos são criados e existe toda uma mística em torno da pedra preciosa, da sorte de encontrá-la.  Uma cidade que leva o nome da pedra que movimenta praticamente toda a economia local, parece ser o lugar certo para buscar responder perguntas, que eu, como futuro jornalismo tenho na cabeça. Afinal, quem realmente enriquece com essas pedras? Quais são as conseqüências de quem leva uma vida dedica ao garimpo?

Já havia tido outras duas experiências de visita a Ametista do Sul, ambas assumindo o papel de turista. Câmera no pescoço, olhos brilhando com a imensidão das pedras, de seus preços, impressionado com tudo que o “garimpo” do parque nos mostra ou quer nos mostrar. Mas essa superficialidade não me toma. Afinal, parece que em meio a tanta beleza e grandeza esqueceram de quem realmente escreveu essa história, dos trabalhadores que em meio a pedras,  muito pó e batidas de segunda à segunda abriram as veias subterrâneas que tornam o subsolo de Ametista do Sul um verdadeiro labirinto.

Estava pensando, e a nossa profissão tem algumas características do garimpo. O sentimento de não saber o que vai enfrentar cinco metros há frente, o sentimento de êxtase de conseguir algo que não esperava e isso te valer o dia, a semana ou o mês. Assim, saímos de Frederico Westphalen, RS, rumo à cidade da pedra ametista.

Chegar na cooperativa dos Garimpeiros e começar a ouvir os relatos de quem se dedicou ao garimpo e hoje tem na sua saúde o principal reflexo disso. O amor pela profissão é algo que me impressionou. Sim, muitos dos garimpeiros têm realmente amor pelo que fazem, gostam dessa sensação de ir para mina sem saber se não é aquele, o dia de achar a pedra da sua vida.

É visível as mudanças que o garimpo, assim como diversas outras áreas, sofreram em relação a estrutura e melhoria nas condições de trabalho. Mas não podia ser diferente. Estar em contato com esses ex-garimpeiros é ver nos olhos e na respiração difícil as conseqüências que o garimpo deixou em suas vidas. São, sem dúvida, exímios contadores de história. A primeira pedra, a maior pedra encontrada, o dia em que deixaram o garimpo ou então que descobriram ter silicose.  Histórias que deixam saudades, alegrias, tristezas…

Estar em contato com tudo isso, sem ir até onde essas pessoas construíram suas vidas seria contraditório. Então, nada mais certo do que acompanhar um dia de fiscalização em uma das minas de Ametista do Sul. Pisar na água, se abaixar mediante as galerias muito baixas, ver pólvora ao lado de instalações elétricas irregulares. Ver tudo isso e se sentir na função social que o jornalismo assume de tentar mostrar, denunciar e mudar uma realidade.

Experiência. Conhecer essa realidade e produzir por esses lugares onde o ar é rarefeito e a umidade é alta, te faz olhar a beleza da pedra Ametista, paixão dos orientais, de uma maneira um pouco menos superficial.  É tomar a dimensão dos problemas do garimpo irregular e tentar deixar só nas lembranças os problemas sérios de saúde que são associados a essa prática. Isso pode mudar, isso está mudando, isso tem que mudar.

 

Depois do dia 27 de setembro de 2011

Joana Frota

Até o dia 27 de Setembro de 2011, eu nunca tinha parado para pensar em como seria trabalhar embaixo da terra, nunca tinha pensado em como deve ser trabalhar no escuro durante o dia claro e ensolarado passa despercebido.

Pessoas como nós, envolvidas na gradução de uma Universidade, passamos muito tempo dentro de sala de aula, estudando, discutindo filosofos, descobrindo teorias, entender de uma forma social a sua futura profissão. Esquecemos que nem todas as pessoas tem as mesmas oportunidades e chances.

Eu nunca tinha visitado a cidade de Amestista do Sul, só tinha ouvido falar o nome, ou em placas pela estradas. Imaginava a pequena cidade, um pouco maior. Cidade pacata, poucos carros na rua, mas muito bonita pela centro. Possui uma igreja enorme revestida toda de pedras ametista. Fiquei imaginando na igreja, quantas jóias poderiam ser feitas com todas aquelas toneladas. Quantas pessoas trabalharam durante horas, dias, meses para retirar todas aquelas pedras, pois se resumiam em 40 toneladas.

Joias, bijouterias ficam lindas em qualquer mulher, mas dificilmente temos a consciência de onde e como sairam as pedras que enfeitam aneis, colares, pulseiras e brincos. Esquecemos que muitos homens passam a vida dedicada ao garimpo, passando por dificuldades e colocando a sua vida em risco para extrair as maravilhosas pedras que enxergamos em abundância na cidade e na região.

Naquele dia eu pensei pela primeira vez em como deve ser trabalhar embaixo da terra, trabalhar no pesado, respirar o ar pesado, com poeira, pólvora, trabalhar com um barulho muito alto durante um dia inteiro, trabalhar com um instrumento pesado, trabalhar praticamente no escuro, e no fim do dia, voltar para casa sujo, acabado.

O que fica da visita das minas é a dura e ardua tarefa dos garimpeiros, a beleza da pedra nem tanto. A pedra perdeu a beleza diante da forma que os reponsáveis de extrai-lá sofrem durante uma vida toda, e acabam sofrendo de silicose no fim da vida. Um fim triste para pessoas que não tiveram estudo e nunca souberam fazer outra coisa na vida a não ser trabalhar no garimpo. Essa é apenas uma das tristes e inumeras realidades existentes  no nosso país, e uma das experiências mais reais que o jornalismo te proporciona.

 

Histórias da pedra

Renata Camargo

          Quando começamos a discutir as possíveis pautas para a reportagem multimídia vi que essa seria uma pauta bastante interessante, mas não imaginava o quanto. Logo pensamos “As consequências de uma vida dedicada ao garimpo”. Bem rápido outras pautas foram descartadas e enfim, nosso destino seria Ametista do Sul. Já conhecia os pontos turísticos da cidade, mas a vida no garimpo era algo totalmente desconhecido pra mim.

Dia  27 de setembro, 6 horas de manhã partimos para Ametista do Sul, o trajeto é curto, mas a estrada de curvas a e cerração baixa preocupam o motorista. No banco de traz, sigo encantada com a paisagem cercada de vales. A ponte do rio da Várzea assusta, mas seguimos em frente.   O caminho é lindo e a beleza natural da região é encantadora.

Chegando a cidade encontramos um marasmo típico de cidade pequena do interior do Rio Grande do Sul. Nenhum de nós conhecia bem o lugar, porém não foi difícil encontrar nossa primeira parada, a COOGAMAI. De cara já fomos bem recebidos, com café e chimarrão começamos a conversa e então conhecemos seu Isaldir, presidente da cooperativa. Seu Isaldir foi o primeiro personagem vítima da sílica que encontramos. Homem humilde, mas de muita consciência e iniciativa, um líder nato, daquele tipo de pessoa que toma a frente de tudo.

Na COOGAMAI mesmo, conhecemos o anjo da nossa reportagem, seu Enio. Homem com aparência sofrida, aos poucos foi nos contando sua história.  Sempre pronto para ajudar foi nosso guia durante a reportagem toda.  Depois de uma longa conversa com os dois ex-garimpeiros, nos despedimos de Seu Izaldir, e na companhia de Seu Enio partimos para conhecer a primeira mina.

No caminho até a mina, uma pequena subida entre as pedras e seu Enio já apresenta um dos sintomas da doença. Aquela subida que para nós não se mostrava muito exaustiva para ele não era um mais difícil, ofegante se escora no meu ombro e com um pouco de vergonha no olhar diz: Tenho que parar um pouco, senão eu não consigo.  Ali de cima olhar o céu era ainda mais bonito.  O olhar dele em direção a mina já mostra que realmente gostava do que fazia.

Recuperamos o fôlego e fomos para dentro da mina. Escuridão, umidade, muito barulho isso já descreve como era o interior dela. De repente um barulho de explosão. Seu Enio ri das nossas caras de susto e diz: – fique calma isso é pra não dormir. Com mais curiosidade do que medo sigo andando pela mina.

Eu particularmente, não tinha noção de como era extraída uma pedra, e como a sorte sorriu para a nossa equipe entramos na mina no momento em que um garimpeiro fazia este trabalho. Pedimos que ele fizesse a extração como era feita antigamente, sem o uso da água para amenizar a poeira, em menos de um minuto o ar já estava tomado de poeira e pouco se enxergava lá dentro. Quando o ar começa a ficar pesado penso naquelas pessoas que ficam até 12 horas lá dentro, penso também em seu Enio, meu medo era que aquele pó fizesse algum mal a ele naquela hora. Enfim saímos de lá e estava tudo bem.

A manhã passou rápido, uma pausa pelo almoço, durante a tarde a equipe teve que ser dividida. Enquanto Fábio, Joana e Cadré foram conhecer as minas irregulares, Lara e eu ficamos responsáveis pelas histórias. E que histórias! O ultimo e mais impactante personagem que encontrei foi Jorge, franzino e de voz suave Jorge se mostra muito tímido, mas aos poucos a entrevista passa a ser uma conversa, ou melhor, uma lição de vida.  Quando questionado sobre seu dia-a-dia Jorge em uma frase diz como é viver com sílica: “Não me sinto um homem, não posso trabalhar, nem fazer nada”.  Impossível não se impressionar com situação dele, além dos pulmões parados o ex-garimpeiro tem de conviver com dreno, onde retira secreções do seu pulmão três vezes ao dia. Acanhado ele nos mostra as cicatrizes que vem colecionando ao longo do tratamento, chocada e tão constrangida quanto ele, não sei dizer o que senti na hora, mas pude ter noção do sofrimento que ele enfrenta todos os dias.

O que Seu Isaldir, Enio e Jorge têm em comum é uma vida toda dedicada a uma pedra, a ametista. Construíram uma vida toda com o dinheiro que extraíram daquelas galerias úmidas e escuras, o dinheiro que receberam foi pouco comparado ao que os donos das galerias acumularam em função do trabalho deles, mas não eles lamentam tanto isso, são até gratos. O maior lamento é a doença que receberam junto com o salário, doença esta que não tem mais cura, não tem mais volta. Outra coisa que estes três homens compartilham é a vontade de fazer o bem, cansados de perder amigos que morreram por causa da doença, além de lutar pelas suas próprias vidas, buscam maneiras de ajudar àqueles que sofrem pelo mesmo motivo que eles.

No fim da tarde voltei a Frederico Westphalen conhecendo um mundo completamente novo pra mim, voltei carregada de histórias, infelizmente tristes, mas que estavam esquecidas naquele lugar. Com a nossa reportagem espero que as pessoas ao olhar a beleza da Ametista, também possam ver o sofrimento que há por traz dela.

 

Um belo lugar, mesmo com muito pó

Viviane Carla Vendruscolo

É … mais uma das belas e boas oportunidades que nossa profissão nos possibilita, iremos conhecer como é realizado o trabalho de extração das pedras ametista, direto na mina, acompanhando o trabalho dos mineiros. Pedra que dá nome ao município, Ametista do Sul.

O dia começa cedo, 6h, este é o horário combinado para saída, e é claro todos estávamos lá, ansiosos para chegar. Mesmo o trajeto entre Frederico Westphalen e Ametista do Sul não ser grande, aproximadamente 30Km, a pressa em chegar torna o caminho mais longo. Para distrair o melhor a fazer é aproveitar a vista, que em alguns momentos era de muito sol, porém em segundo se entrava em um nevoeiro em que a visão era totalmente limitada para apenas uns poucos metros (ou diria centímetros?? bom, enfim) a frente do carro. Muito parecido com aqueles filmes de terror, então o filme muda para conto de fadas e “Abra Cadabra!!”, o sol aparecia o sol iluminando a bela vista nos vales, que em alguns trechos, pareciam rios de neblina.

Enquanto um chamava a atenção para algo que viu, outro gritava pelo outro lado, também pedindo atenção, outro ainda aproveitava para fotografar, filmar ou alegrar o grupo com brincadeiras e piadas, afinal todo trabalho deve ser divertido, assim ele se torna mais gostoso de fazer e á claro fica muito melhor. Afinal ‘ a gente sofre, mas se diverte’.

Finalmente Ametista do Sul, e o primeiro contato é com o presidente da cooperativa dos garimpeiros do município. Uma boa e esclarecedora conversa, com pensamento na curiosidade de entrar nas minas e finalmente ver de pertinho como é o garimpo propriamente dito. Quanta ansiedade!!!

Devidamente equipados com capacete, nos deparamos com aquele, quase círculo, chamado pelos garimpeiros de ‘boca da furna’. A visão interna, olhando de fora é zero, parece que você esta dando um passo em local sem chão, mas depois dos primeiros passos, logo aquela aceleração no coração diminui e o pensamento se direciona para o que se procura chegar ser engraçado este processo rápido de adaptação, mas enfim…é fato necessário, ou então o trabalho não sai.

O que encontramos daí em diante é claro, muita pedra, entulho, água, pequenas lâmpadas, que iluminam, ou pelo menos tentam, aquele corredor de pedra, que em alguns pontos se divide em dois, três e até quarto outros túneis ou galerias e é claro homens trabalhando, alguns puxando para fora da mina os entulhos, outros talhando a pedra para extrair o ‘bojo’ e outros ainda preparando a rocha para novas detonações. Um trabalho árduo e intenso.

Ali, dentro da mina, é possível se colocar no lugar daqueles homens, que passam o dia em busca de encontrar uma grande ametista, ficar rico e poder sair deste trabalho, um trabalho que mais parece dos tempos passados onde imperava a escravidão no Brasil, misturada com a eterna corrida em busca da riqueza, da qual uma pouca minoria a alcança, restando para a maioria à doença e o sonho de um dia encontrar a mais bela das pedras.

E é este o ponto saúde que chama a atenção, homens, jovens ainda, porém com sua saúde totalmente comprometida em virtude da silicose, resultado de longos anos de contato direto com o pó originado durante a extração, que até pouco tempo atrás era feita de maneira ainda mais artesanal, com pouco ou nenhum uso de equipamentos de segurança e/ou proteção pelos mineiros. Assim o que se pode notar hoje, nestes homens, principalmente com os mineiros mais antigos, que trabalharam nas minas nos anos passados, os sintomas aparentes da silicose. Chega ser angustiante ver o esforço de alguns no falar.

Pode-se notar um melhora nas condições de trabalho, mas ainda há muito o que se fazer neste sentido, quer seja com trabalho de conscientização dos mineiros e dos proprietários da minas, bem como da população em geral. Espera-se, assim como os mineiros em encontrar a grande pedra, que esta melhora realmente possa vir a acontecer.

Sem o olhar jornalístico, é um belo lugar!!!! Mesmo com muito pó.

 

 

As experiências que me tocam

Lara Fagundes

O jornalismo tem dessas. Te leva pra outro mundo, te aproxima de uma nova realidade e te toca, te comove, te acrescenta. Foi muito disso que aconteceu em apenas um dia que tivemos para apurar tantas informações, tantas histórias, tantas notícias nas palavras de quem viveu e vive em Ametista do Sul.

A experiência de quem tirou das pedras o sustento da sua família e hoje paga um preço alto pela falta de cuidados nos garimpos. Marcas que permanecem intactas e não voltam atrás, e mesmo assim eles não se arrependem, porque valeu a pena. Valeu a pena conseguir sobreviver com a renda financeira que a beleza das pedras lhe proporcionou.

Entrar em uma mina de pedras preciosas e saber que ali, no escuro, no úmido e no incerto, dezenas de garimpeiros garantiram o sustento dos filhos. Filhos estes que eles querem longe do garimpo. É estonteante, é comovente, é inacreditável.

Trabalhadores que acreditaram na riqueza desse mineral e doaram sua saúde para explorar o pó, o preto, o escuro..

As histórias que conhecemos em Ametista do Sul nos fazem parar para entender até que ponto vale a pena machucar a sua própria saúde? Foi o que aconteceu com muitos homens sadios, que entraram no garimpo com um só desejo: explorar! E foi assim, explorando em meio a tanto descuidado, que eles acabaram machucando a própria vida.

Mas o bonito de tudo isso é que eles hoje sabem do mal que pode fazer uma exploração sem água, a falta do uso de equipamentos adequados, e isso, com certeza, eles vão tentar ao máximo passar para aqueles que começaram agora a acreditar na pedra ametista.

Não é fácil fazer os garimpeiros de hoje acreditarem que aquilo tudo pode fazer mal se for feito da maneira errada, mas aqueles que sentem na pele as dores, vão tentar ao máximo conscientizar os novos trabalhadores. Eles assumiram essa missão: não deixar que a silicose faça mais vítimas.

 

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