A marginalização da prostituição: a prática social e o preconceito

Uma das profissões mais antigas da humanidade é também uma das que menos têm direitos trabalhistas e uma das que mais sofrem com o preconceito. Não se sabe exatamente quando a prostituição teve seu início, mas sabe-se que já na Grécia Antiga era uma prática recorrente. As mulheres trocavam mercadorias por sexo. Além disso, alguns historiadores vinculam a prostituição na antiguidade com alguns atos sagrados. Mesmo sendo um município pequeno, Frederico Westphalen comporta um “vilinha”, assim chamada pelos moradores da cidade, onde acontece grande parte das prostituições.

É nas margens das estradas perto de Iraí que bares e wiskerias tornam-se os locais dessa prática. Com aproximadamente sete casas dividindo o mesmo espaço territorial, profissionais do sexo trabalham durante a noite e parte do dia. Essas pessoas, que tanto sofrem com a marginalização e excludência, estão tão expostas a violência, drogadição e doenças como outras mulheres que tem trabalhos formais, e é por isso, que buscamos conhecer a realidade da prostituição para entender o preconceito que esses grupos sociais sofrem.

Para pensar sobre essas criações de estereótipos e preconceitos sobre esse assunto, o cientista social e professor Rafael Foletto comenta sobre como existem padrões masculinos na sociedade que comandam diversos setores da sociedade, e assim, grande parte das mulheres se sujeitam a trabalhos informais para complementarem suas rendas em diversas situações. “Essa é uma profissão bastante complicada, não só em termos de representatividade, mas de também de riscos de violência sexual, doméstica, psicológica e todos os tipos de assédios que envolvem a vida dessas garotas”.

Dentro um mundo polarizado por diversas culturas econômicas e trabalhistas, refletimos sobre a marginalização que certos grupos sociais sofrem em relação a uma parte elitizada da sociedade. Fatores sociais distribuem os sujeitos de forma a incluírem-se ou excluírem-se a ponto de aceitarem trabalhos informais, como por exemplo, as garotas de programa sem as leis trabalhistas. Em relação a isso, a temática instiga muito a nossa redação sobre os desdobramentos do assunto.

Diversos países já legalizaram e regulamentaram a prostituição como profissão. A Austrália, por exemplo, legalizou em 1995, a Holanda em 2000, a Alemanha em 2002, a Nova Zelândia em 2003. O Brasil passou a reconhecer a prostituição como profissão informal a partir de 2002, porém isso não garante direitos trabalhistas, como aposentadoria. Porém a luta por direitos trabalhistas, redução de discriminação, implementação de programas de saúde e melhoria de vida começou oficialmente em 1987, quando a Rede Brasileira de Prostitutas foi fundada. A organização conta 25 associações, como o GAPA (Grupo de Apoio à Prevenção à AIDS).

A doença dos anos 80

Desde a descoberta da AIDS em meados da década de 80, a doença é associada às profissionais do sexo e aos homossexuais. Entretanto, depois de diversos estudos, especialistas da área tratam do assunto como uma epidemia generalizada sem perfil específico. Em conversa com a chefe da Sistematização da Assistência de Enfermagem de Frederico Westphalen (SAE), Vivianne Cerutti, a profissional de saúde trabalha com o dado de que no município a a maioria dos portadores de HIV na categoria feminino são mulheres geralmente casadas, acima de 30 anos.

A enfermeira Taís da Rocha, explica como é o procedimento do teste rápido e afirma que “ a metodologia utilizada é de testes com aconselhamento, a pessoa vai ser orientada já no pré – exame. Logo, é feito uma beliscadinha no dedo e em minutos se tem o resultado. A profissional da saúde ainda acrescenta que caso dê positivo sobre HIV, o paciente é encaminhado para a psicóloga que forma o grupo da SAE.

A técnica em enfermagem Luciani de Cristo e a enfermeira Taís da Rocha Giovanardi fazem parte de uma equipe de seis profissionais entre médicos, farmacêuticos, psicólogos, técnicos e enfermeiros que trabalham no Serviço de Assistência Especializada em HIV/Aids e Hepatites Virais de Frederico Westphalen. (SAE). Essa rede de profissionais atende 26 municípios e as duas entrevistadas falam sobre o município ter um alto índice estadual de incidência da doença que ainda é tabu. Luciani, comenta sobre a importância de detectar cedo o vírus para iniciar o tratamento da doença que é disponibilizado gratuitamente pelo estado.

Violência velada

Entre saltos, lingeries, perfumes e pincéis de maquiagem se escondem os perigos da profissão das garotas de programa. Segundo o Datafolha, mais de 500 mulheres são vítimas de agressão física a cada hora no Brasil, e dentro dessa estatística, estão as mulheres que trabalham com a prostituição, que por vezes, não denunciam os crimes de clientes a pedidos dos gerentes das boates que trabalham.

Em ambientes como estes sem proteção legal sobre essas ocorrências, violências psicológicas, domésticas e sexuais viram recorrentes não só com as garotas de programas que trabalham em casas, mas também com acompanhantes de luxo e as que “fazem ponto” nas ruas movimentas das cidades. Em entrevista a redação, o Delegado de Polícia de Frederico Westphalen, Eduardo Ferronato Nardi, comenta que “a grande questão é que as vítimas desse tipo de violência não se identificam como tendo sofrido esse atos durante as suas atividades de trabalho, ou seja, profissionais do sexo, em algum dado momento, sofrem tanto violência sexual como física”.

Como esse tipo de crime acaba sendo velado, o delegado ainda afirma que não tem como mensurar dados específicos sobre a violência que as profissionais do sexo sofrem em especifico. Entretanto, Eduardo reafirma a importância que se têm de denunciar situações como essa e quebrar a barreira que o medo do relato impõe sobre a vida e integridade dessas mulheres.

Martina, a representação do mercado sexual frederiquense

Em meio a olhares distantes e um rosto cabisbaixo, conhecemos Martina Gonçalves (nome fictício), 30 anos. Ela, como tantas outras mulheres, trabalha como garota de programa há seis anos. Após desentendimentos com o ex marido agressivo, ela saiu de casa, e por necessidades, conheceu o submundo do mercado sexual. Entre ônibus e rodovias, saudades de casa e do casal de filhos, Martina saiu da cidade de Miraguaí e entre alguns contatos, conheceu os donos do atual prostíbulo em que trabalha e mora em Frederico Westphalen, situado as margens da estrada para Iraí-RS.

Vaidosa, Martina afirma que faz caminhadas diárias para cuidar do seu corpo, gosta do cabelo loiro sempre escovado e tem costume de usar pouca maquiagem, seu hobby longe do trabalho é acampar e entrar em contato com a natureza. Entretanto,  ficar em casa assistindo filmes é uma ótima opção. Ela afirma que a relação com as outras meninas da casa é familiar, uma auxilia a outra, e a coordenadora do local age como se fosse uma mãe para todas elas. “Tem vezes que se você dá um bom dia atravessado as meninas já reconhecem, ó fulana não tá boa hoje, você tá bem, quer conversar? É bom muito esse apoio”.

Perguntamos em quantas elas trabalham no estabelecimento e descobrimos que atualmente seis mulheres atuam na casa, entretanto, Martina já trabalhou com 17 garotas. Algumas passam 15 dias no prostíbulo, outras são fixas. Nessa casa, a alimentação e a limpeza do local é feita por uma doméstica e nenhum desses serviços é cobrado das garotas de programa. Cada uma tem seu quarto particular com seus objetos pessoais, inclusive Martina, tem uma cadelinha companheira para todas as horas. “Tem dias que bate um desanimo, uma saudade de casa e dos filhos, eu me tranco no meu quarto, choro e a ela (dog) pega o brinquedo para me distrair”, afirma.


Em um emprego como todos os outros, certo percentual dos lucros ficam para os chefes e empregados. Com o mercado sexual não é diferente: o preço de cada programa fica para as profissionais do sexo e o valor do quarto e das bebidas ficam para os dirigentes da casa. O preço mínimo da hora do programa é de 150 reais, mas as garotas ainda ganham comissão pelas bebidas consumidas pelos clientes. “ O perfil de quem vem aqui varia muito, vai do novinho ao vovô”, afirma Martina.

Diferente do que alguns produtos audiovisuais representam do mercado sexual, as garotas dessa casa de programa não ficam presas no prostíbulos. Elas tem seus dias de folga e podem ter contato com a família. Como em qualquer boate, existem seguranças nessa casa. A gerente coloca ordem e não deixa que as meninas fiquem em maus lençóis nem que haja brigas dentro do prostíbulo. Martina, depois de nos contar que se sente segura, acrescenta ainda que elas podem escolher seus clientes.

Com sonhos e objetivos a serem realizados, os olhos olhos marejados confirmam as experiências que formam a mulher que ela é hoje, Martina encerra nossa conversa contanto que daqui a dois anos pretende sair da prostituição e lutar para retomar sua vida e a guarda dos filhos, para quem daria sua vida. Ela é mais uma mulher que aprendeu cedo a ser forte e amadurecer com as peripécias que nossas escolhas por vezes nos pregam. É com um sorriso no rosto que ela se despede da reportagem mostrando que as dificuldades e metas, são iguais a de todos nós, e que o preconceito, já não cabe mais aos padrões para as garotas de programa que trabalham nessa casa.

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