Mathias Lengert, Mayara Neri e Simone Philipsen
Matéria produzida na disciplina de Laboratório de Reportagem Convergente
Frederico Westphalen. Um talentoso engenheiro que inspirou o nome de uma bucólica localidade no planalto do noroeste do Rio Grande do Sul. Uma cidade de duas caras: a do desenvolvimento invejável digno de integrar os rankings de melhores lugares do país a se viver e da exclusão silenciosa que dificulta o acesso à saúde, educação, emprego e cultura de parcela da população que vive nas margens da sociedade.
Frederico, como chamam os mais íntimos (ou aqueles que cansaram de usar o “Westphalen” cotidianamente) se constitui dessa dualidade, dessa contradição. Ao passo que ela tem emplacado posição de destaque ao liderar a microrregião homônima de 27 municípios ainda carrega consigo a dificuldade de dar acesso a bens imateriais que medem o desenvolvimento humano de um município: enquanto se destaca na sua economia sólida, sua posição na saúde e educação tem sido apagada dentre os demais municípios que compõe a microrregião que leva seu nome.
O município é lar de mais de 30 mil pessoas, segundo estimativas do IBGE para o ano de 2018. No perímetro urbano são mais de 23 mil. São diversas facetas que compõem o quadro particular do qual Frederico se constitui. A história da cidade que completa 100 anos em 2018 pode ser, brevemente acompanhada abaixo.
A cada 10 frederiquenses quase 9 se consideram brancos e católicos. A homogeneidade da população é mostra das forças da colonização europeia feita na região a mais de um século e que ainda reflete nas características da cidade.
O prêmio dado pela revista Istoé em 2015 para FW enquanto uma das 25 melhores cidades de pequeno porte a se viver foi um prenúncio do Índice de Desenvolvimento da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN), o IFDM, lançado em junho desse ano, que listou Frederico como a 98ª melhor cidade brasileira a se viver. O IFDM utiliza em seu cálculo princípios relacionados a três pilares: Educação, Saúde e Emprego.
Essas sucessivas boas colocações que Frederico tem recebido nos últimos anos em premiações são um atrativo para empresas investirem na cidade. Para o prefeito José Alberto Panosso, a prestação de serviços e as indústrias têm tido papel crescente na movimentação econômica do município de modo que a Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo esteja diariamente avaliando novos incentivos às empresas frederiquenses
A colocação do IDFM foi comemorada por chefes executivos e legislativos da cidade, e se tornando pauta para a mídia local, mas acendeu um alerta quanto à necessidade de debater as carências que ainda assolam o município. Quanto mais a cidade cresce em sua ambição de desenvolver comércio e indústria maior tem ficado a mancha urbana que avança nas regiões mais afastadas. Contudo, Frederico não soube descentralizar saúde, educação e cultura para esses locais, o que gera dificuldades na vida de milhares de pessoas. Aqui estão as duas faces de Frederico: aquela da região central, retratada nos cartões postais do município e na qual não se há dificuldades para usufruir de cultura, saúde e educação, e a outra das regiões periféricas em que pessoas peregrinam para ter acesso aos mesmos direitos que a outra face, privilegiada, possui.
As disparidades no acesso a direitos básicos estão presentes nas vidas de diversas pessoas, diversos rostos e faces frederiquenses. Dentre 30 mil moradores, o cotidiano de Frederico Tomazi e Frederico Silva mostram do que estamos falando. São, é claro, nomes fictícios de personagens bem reais que tem como lar Frederico Westphalen, embora a vejam e a usufruam de modo diferente.
Frederico Tomazi, 21, vive na linha Faguense, uma região da zona rural que se tornou a aposta das imobiliárias frederiquenses e tem visto grandes condomínios e casas ocuparem espaço entre a mata verde e as plantações de soja e milho. A Faguense se tornou moradia ideal para aqueles que tem empreendimentos na cidade mas preferem viver na calmaria do interior, visto que se localiza na mesma distância do centro que os demais bairros periféricos.
O jovem, que concilia seus estudos no curso de Relações Públicas na Universidade Federal de Santa Maria campus Frederico Westphalen (UFSM-FW) com o trabalho enquanto auxiliar administrativo na empresa de seu pai conhece a cidade de Frederico desde sua infância: foi ali que se criou, fez amizades e criou vínculos. A abertura do campus de extensão de uma Universidade Federal, a um pouco mais de 10 anos, permitiu que continuasse a ficar próximo da família depois de terminar o Ensino Médio.
“A educação pública de FW é muito boa” conta Frederico, que estudou na adolescência na Escola Estadual Afonso Pena, que possui um histórico de premiações por altas notas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Ano passado (2017), a escola recebeu o troféu Leonel de Moura Brizola por figurar entre os três melhores educandários do Rio Grande do Sul. A secretária de educação de FW, Carmen Giovernardi, destaca que a educação pública frederiquense é de qualidade de modo a integrar toda as esferas envolvidas e tendo como diferencial a grande disponibilidade de instituições de educação superior: são seis ao todo. Para Frederico Tomazi esse também é um diferencial do município, que vem tomando título de cidade universitária.
Frederico considera a saúde pública do município razoável, embora que ainda de melhor qualidade daquela oferecida por cidades mais populosas. O universitário utiliza do serviço público quando necessário embora faça consultas com profissionais privados nas áreas que ele considera que o serviço de saúde público seja deficitário.
A sua maior insatisfação, no entanto, é com o lazer e a disponibilidade de cultura. Para Frederico Tomazi, não há muito o que fazer. As principais atrações, para ele, são as cachoeiras do parque da Faguense, as praças, da qual ele destaca a da URI, famosa por ser point noturno da juventude frederiquense e os bares e pubs distribuídos pela região central da cidade. Ele destaca, ainda que essa insatisfação é compartilhada pelos seus amigos e por outros jovens da sua faixa etária. Para ter acesso a esses locais, Frederico se desloca de carro.
Enquanto isso, em um outro bairro, também afastado do centro da cidade vive Frederico Silva (19), universitário, morador do Distrito Industrial, que juntamente de sua família vive nessa região por volta de sete anos. Sua mãe é dona de casa, seu pai trabalha como pedreiro e sua irmã é faxineira. A casa em que moram foi a primeira a ser construída no local, assim, falam com propriedade das dificuldades que enfrentam no dia a dia.
Frederico estuda na UFSM-FW, que oferece ensino superior público. O percurso de sua casa até lá tem em torno de 7 a 8 km, mas para chegar ao seu lugar de estudo é necessário que ele caminhe até o ponto mais próximo para pegar o ônibus que não passa a onde ele mora, “Pego o ônibus que vai para a UFSM no “ponto do Marina”, que fica no bairro Santo Inácio”, e sobre seu transporte para fazer o ensino médio ele comenta “Eu tinha que pegar transporte pela manhã pra ir todo o dia e tinha que pagar, começou com 80 reais por mês mas no terceiro ano eu tava pagando 120 reais. Fizemos um abaixo assinado, pegamos quantos alunos tinham, dava pra encher um ônibus, foi levado na secretaria mas não agilizaram nada para nós”.
Uma outra preocupação para os moradores do Distrito é referente ao saneamento básico, direito esse garantido por lei para todo cidadão mas que na prática é bem diferente para eles, já que o bairro não tem acesso a serviços do tipo. O pai do jovem Frederico comenta sobre “Quando foi feito o asfalto nem a rede fluvial colocaram ali na frente, quanto mais a de esgoto. Como tem muito lage, as fossas enchem muito ligeiro, a cada 20-25 dias tem que chamar o caminhão pra tirar o esgoto, antes a prefeitura não cobrava mas agora cobra 50 reais para vir recolher, o que não deveria acontecer”.
Além dessa problemática na vida dos moradores, Frederico Silva, como boa parte dos jovens está sempre a procura de formas para se divertir, mas diferente de outros bairros o seu não oferece muitas formas de lazer. “No final de semana não tem muita opção, agora colocaram no parque de exposições uma pista de skate e kart, mas quem pratica o Kart é quem tem dinheiro. O único evento que fica aqui perto é a Expofred (que acontece de dois em dois anos). Aqui só tem uma quadra, que tá desativada inclusive” fala o rapaz e sua irmã que está ao seu lado acrescenta “ Só quem aproveita a cidade é quem tem dinheiro, sai vai na sorveteria, vai na lanchonete de noite, vai no pub, umas coisas assim. Tudo no centro, o centro é o foco”.
Um outro pilar que indica que um cidadão possui uma boa qualidade de vida é o acesso ao campo da saúde. A cidade possui apenas um hospital, localizado no centro e cada bairro tem seu SUS. A irmã de Frederico que nos acompanha na entrevista novamente dá sua opinião e afirma que nessa parte não tem muito o que reclamar, mas existem coisas pendentes: “Eu acho que a UPA deveria ser aberta, quando precisamos vamos ao posto que é perto da escola, atendem bem, dá pra ir a pé, os exames mais sérios são no centro ou a gente tem que ir pra outra cidade. Temos acesso a dentista, pediatra, ginecologista, fazem os procedimentos ali e mandam no hospital, o problema é só se tem exames de urgência, que daí precisa pagar, por causa da cota única dos laboratórios”. Quando questionado sobre o assunto, o prefeito se pronunciou “nós estamos trabalhando para realizar a abertura da UPA e também dos setores de oncologia e UTI no Hospital Divina Providência”.
Tanto Frederico Tomazi como Frederico Silva nos são mostras das disparidades da qualidade de vida de Frederico Westphalen. Ambos apresentam, no entanto, queixas comuns: cultura/lazer e o deslocamento. A cidade tem suas maiores atrações centradas no Largo Vitalino Cerutti, como a Semana Farroupilha, Feira do Livro e Frederico em Luz. Além disso, fora estas, ambos os jovens citam o empecilho de muitas atrações culturais serem pagas por associação a clubes.
Quanto ao deslocamento, o transporte na cidade de Frederico Westphalen ainda gera muita polêmica. Se por um lado existem estudantes que buscam a implantação do mesmo não só para a universidade mas como um meio de se locomover de um lugar a outro em diferentes situações, de outro existem pessoas que são contra essa ideia, já que defendem que boa parte da população possui carro e uma medida dessa não é necessária.
Frederico Westphalen é por fim resultado dessa mistura. Frederico é cidade de diversas facetas. 31 mil para ser mais exato. Como olhar para Frederico então? Como defini-la? Talvez não caibam palavras mais exatas a Frederico do que as de Clarice Lispector:
Tenho duas caras.
Uma quase feia, outra quase bonita.
O que eu sou? Um quase tudo.
Clique em uma caixa abaixo para acessar um box específico dos três pilares do desenvolvimento.