Palavras de sétimo dia

No sábado passado, 12, Dona Sirlei morreu. Quando alguém me perguntou o motivo de sua morte, respondi: de pobreza.

Dona Sirlei, depois que o marido a abandonou, viveu seus miseráveis últimos anos em um casebre construído com sobras de material de construção, na faixa de domínio da BR 468, prolongamento da rua Jardim. Não tinha flores em sua casa.

Trabalhou como faxineira por um tempo na Casa da Cidadania. Lá a gente se encontrava, tomava uns mates, trocava algumas palavras. Na verdade, não se permitiu maior conhecimento.

Lutava, sem sucesso, contra o vício da bebida. Fumou maconha, crack, cheirou cola e coca. Tinha cirrose e diabetes. Alimentava-se muito mal.

Lembro dela, embriagada de esperança e álcool, dançando na rua quando da festa pela vitória do Lula, em 2002 e 2006. Sonhava ela que o Estado, com Lula presidente, pudesse autorizar a ligação de água e luz em seu barraco. Sem chance. Casa popular decente? Nem a pau. Morreu como viveu. Miseravelmente. Internada em uma enfermaria do SUS, caiu da cama à noite por mais de uma vez, sem que alguém pudesse acompanhá-la. Quando mais necessitava de apoio e privacidade, compartilhou sua intimidade com desconhecidos também doentes. Seu caso era grave. Estava rifada. Na busca do pagamento dos serviços funerários pelo Poder Público, “ela não era indigente”.  Então, quem seria?

Depois de morta, descobriu-se que Dona Sirlei era mãe de dez filhos. Nenhum estava presente nos últimos dias e na despedida. Alguém rezou, amigos e colegas de desgraça  cantaram Raul no velório e no enterro. Na verdade, Dona Sirlei viveu e morreu quase anônima. Sua cruz era pesada demais. Raros e benditos tiveram coragem de se aproximar para ajudá-la.

Enquanto isso, horas são desperdiçadas em intermináveis debates sobre as chamadas políticas sociais. Briga-se para dar mais ou menos. Viaja-se muito, mente-se mais. Os quilômetros de asfalto e os casebres nas margens das rodovias se avolumam.

As circunstancias da morte de Dona Sirlei nos colocam a pensar: tudo o que partidos políticos, capitalistas e socialistas, sindicatos, movimentos sociais, igrejas, governos, ONGs e clubes de assistência têm feito, é ainda muito pouco, comparado às necessidades reais do povo pobre. Não conseguir abrigo para famílias que vivem irregularmente de forma precária ao lado de nossas casas e cidades, mostra que algo está errado. É o fracasso. Repensar isso tudo é urgente. Falar menos, agir mais.

Receba Dona Sirlei um pedido de perdão e essas flores, times new roman, corpo 12, que buscam dar significado a tempos em que a solidariedade e o amor ao próximo estão cada vez mais distantes.

Descanse em paz.

 

Juarez Braga Zamberlan, sindicalista.

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