Os funcionários públicos da coleta de lixo do município de Frederico Westphalen têm de enfrentar mais um obstáculo: os caixotes que foram colocados nas ruas do centro da cidade.
Imagine. Você está sonhando neste momento… Sente sensações provocadas pelas situações que você está vivendo. Pode ser medo, raiva ou qualquer outro sentimento ruim. Mas você sempre acorda e volta para a realidade, que é muito melhor do que a dos sonhos… Porém, tem realidade que pode não ser tão boa! Realidade assim é a que os recolhedores do lixo da cidade de Frederico Westphalem estão vivendo. Eles são Valdir Pereira, Edenir de Lima, Valmir Somavila e Teodoro Silva dos Santos. O motorista do caminhão do lixo, Carlos Antonio Tressi, também não poderia ficar de fora, porque ele vem enfrentando algumas dificuldades…
Para falar do trabalho destes que garantem uma boa aparência para a cidade, é importante adentrar no mundo deles, ou melhor… Tentar! São poucas as pessoas que dão a mínima importância para o que eles pensam ou deixam de pensar. Talvez seja porque não têm dinheiro e nem ocupam um lugar considerado importante pelos cidadãos. Ninguém melhor para descrever o dia-o-dia destes trabalhadores do que seus parentes. Embora com dúvidas, a esposa de um deles concordou em responder a algumas perguntas, pois ela não estava muito segura se deveria. As perguntas da entrevista foram enunciadas. O receio do casal era enorme. Tamanho o receio que, no início, não demonstravam nenhum esforço para respondê-las. Sua mulher tentou falar e ele lhe lançou um olhar daqueles. “Por favor, não fala nada”. Sentimos que o trabalho de dar voz a quem nunca foi ouvido não seria fácil… Esse comportamento dela demonstrou que algumas coisas todos eles não dividiriam com ninguém. Quando ouviram que as coisas que eles contassem não seriam identificadas com seus nomes na reportagem, esse casal pareceu ficar um pouco mais tranquilo…
Algumas outras pessoas também seriam entrevistadas para entendermos o outro lado da história. Mas, se esse outro lado existe, ele já está muito bem representado por algumas mídias que nem se preocuparam em falar a versão desses trabalhadores. Então esta matéria será dedicada somente para estes trabalhadores indispensáveis para a limpeza e beleza das ruas da cidade!
O lado ruim e o bom dos caixotes de lixo das ruas principais de Frederico
A cada novo pleito, surgem propostas de invenções mirabolantes que, nem sempre, são eficientes ou realmente necessárias ou, ainda, adequadas às necessidades. Entra e sai prefeito, todo novo mandato é assim. Em Frederico Westphalen, tiveram a ideia de trocar velhos latões amarelos por pesados contêineres com tampa. São verdadeiros caixotes de plásticos. Os caixotes com tampa foram dispostos no centro da cidade. Por causa do peso e do tamanho, são muito difíceis de erguer para despejar o conteúdo que se acumula no caminhão de coleta. Um dos funcionários contou-nos que, desde quando foram adotados estes recipientes, estes foram virados apenas duas vezes. Quem se aproxima destes recipientes apontam dois benefícios: eles abafam o mau cheiro proveniente do lixo e, também, por terem tampa, ficam fechados, evitando que a água da chuva os encharquem. Esse detalhe é bom para os catadores, porque diminui o risco de contaminação.
Segundo os trabalhadores entrevistados, esse modelo de contêiner seria perfeito se as pessoas não colocassem lixo solto. Esse lixo que não está dentro da sacolinha vai se acumulando e, então, o caixote precisa ser virado. Mas essa tarefa é quase impossível, pois depende da conscientização da população para adotar outro hábito.
Antes desses caixotes serem colocados, havia aqueles conhecidos latões amarelos, como em todos os outros bairros da cidade. Esses latões facilitavam o trabalho do funcionário porque podiam ser mais facilmente levantados, carregados e virados por apenas uma pessoa. Todo aquele resto de lixo solto, que ficava no fundo, podia ser despejado dentro do caminhão.
Os funcionários responsáveis pelo recolhimento do lixo contaram que, desde o ano passado, eles receberam uma ordem para não virar mais o latão e pegar somente as sacolinhas. Acontece que, na prática, isso não ocorre, porque as pessoas jogam muito lixo solto dentro destes novos recipientes. Quando se recolhe o lixo, para realmente ficar limpo, é preciso catar o que ficou fora das sacolas plásticas. Apesar das grandes dificuldades, de tempos em tempos, é preciso virar estes caixotes no caminhão.
Sobre o desafio destes profissionais, procuramos na internet tudo o que falasse sobre o recolhimento de lixo em Frederico. Logo encontramos uma que falava sobre os “novos métodos deles recolherem o lixo”, em que um dos trabalhadores ia à frente colocando as sacolas num canto perto do lixo para os que passassem atrás recolhessem. Quem escreveu essa notícia só questionou o trabalho deles e nem se preocupou em saber por que eles passaram a adotar esse método. A única opinião que apareceu na matéria foi de um comerciante que falou o quanto tinha sido prejudicado. Mas francamente… Quem é mais prejudicado nessa história? Acreditamos que sejam aqueles que são constantemente vigiados por aquelas pessoas que consideram essa tarefa como algo desprezível… São aqueles que, além de receberem ordens, tentam fazer isso da melhor forma possível, mas só não conseguem ser invisíveis para pararem de ser perseguidos.
A separação do lixo orgânico e seco na prática
Muitas pessoas nem separam o lixo e nem sabem que existem dias específicos para o lixo orgânico e para o seco… Mas algumas das pessoas que separam o lixo costumam levar as sacolinhas com lixo orgânico e as com lixo seco no mesmo dia. Tudo isso dificulta as coisas para esses trabalhadores, porque eles precisam recolher e ainda separar o lixo rapidamente. Essa atividade provavelmente não poderia ser realizada nem que cada um deles tivesse quatro braços e duas cabeças. No entanto, o único jeito é recolher o que aparecer pela frente, porque essa foi uma adaptação às condições que eles encontraram para trabalhar.
Outro motivo que dificulta a separação do lixo diz respeito às empresas que jogam fora uma grade quantidade de lixo seco todos os dias. Isso obriga-os a recolherem esse material mesmo que o dia esteja destinado para recolher lixo orgânico, porque, se o lixo acumular, será uma boa pauta para os jornais locais e para as rádios.
Quando está chovendo muito, nenhuma capa consegue protegê-los do frio. E precisam correr embaixo de chuva para cumprir a tarefa. Contaram que um dia resolveram não ir trabalhar porque estava chovendo muito. Era uma segunda feira, e nesse dia o lixo estava bem acumulado, pois o caminhão não passa no domingo. Então eles foram recolher o lixo somente na terça. A imprensa da cidade estava esperando-lhes no outro dia, para que eles explicassem porque o lixo estava acumulado. Foi uma situação bem constrangedora para eles, porque muitas pessoas estão acostumadas a ver o serviço deles como algo desprezível e mal feito. Quem os critica gosta quando aparece uma oportunidade para reforçar suas opiniões intolerantes e preconceituosas. Ninguém se lembrou daquela chuva forte que estava caindo no horário em que eles tinham que recolher o lixo. Lembrando que, no momento em que eles recolhem o lixo no bairro Centro, não pode haver muitos carros circulando, então essa tarefa simplesmente não pode ser feita em outro horário.
Preconceito e intolerância que eles enfrentam no trabalho
Você que lê este texto pode estar pensando: eles poderiam estar trabalhando com outras coisas, já que o trabalho é tão desgastante. Mas eles são muito fortes, têm porte físico de atletas, e conseguem aguentar todas as condições desse trabalho. O fazem de cabeça erguida, porque sabem que são importantes para a cidade, apesar de terem um salário tão ruim como qualquer outro empregado brasileiro. Um detalhe que não podemos deixar de observar é que algumas pessoas que os atacam são outros trabalhadores que ganham esses mesmos salários miseráveis, mas porque cumprem outra função acreditam que são superiores.
Para deixar esses argumentos mais reais, é necessário que certos episódios sejam contados:
Um deles contou-nos que no início, quando começou a trabalhar, há 20 anos, como recolhedor de lixo, essa função era muito mais mal vista do que agora. Naquele momento, a atividade era encarada como castigo. Todos que entravam para trabalhar na prefeitura eram obrigados a recolher lixo por 15 dias; se a pessoa aguentasse, poderia exercer outro cargo, como operador de máquina ou operário na construção de estradas. O entrevistado contou-nos que ele trabalhou esses 15 dias e passou a preferir essa tarefa, porque com ela receberia adicional por hora extra e insalubridade, o que não aconteceria caso pegasse outro serviço. Mas ele precisava convencer seu chefe, que não gostava dele, para troca-lo de cargo antes que terminassem os 15 dias. Então pensou que, se fosse reclamar do serviço de recolher o lixo para seu chefe, este iria quebrar a regra e deixá-lo trabalhando para sempre com isso, só porque não gostava dele. E assim aconteceu. Ele foi falar com seu chefe e dramatizou bem, dizendo que seu trabalho era insuportável e implorando para que o colocasse em outro cargo. Como ele esperava, o chefe o deixou trabalhando com o lixo.
Eles contaram que, em uma tarde normal de serviço, apareceu um homem e começou a filmá-los trabalhando. Eles se incomodaram e perguntaram para esse homem sobre o motivo da filmagem. O homem respondeu com uma provocação. Nesse dia, tudo ficou por isso mesmo. Em outro dia, eles estavam passando na frente da casa desse mesmo homem, que começou a filmar novamente. Um dos trabalhadores ameaçou jogar uma pedra no homem, que fechou a porta, desligou a câmera e esperou os trabalhadores saírem. Como ele conseguiu filmar o trabalhador que ameaçou jogar a pedra, o que custava tentar denunciar a ameaça à Justiça? Então ele fez uma marca na porta, como que se uma pedra fosse jogada contra ela, e colocou aquela pedra perto da porta. Depois disso, ele voltou a ligar a câmara filmadora, filmou a pedra no chão e o buraco na porta que ele mesmo produziu.
As dificuldades enfrentadas são diversas. Segundo um deles, um dia ele estava trabalhando e passou mal, foi consultar e o médico deu atestado de sete dias. Nesses dias, eles não conseguiram achar ninguém para trabalhar no seu lugar. Quando ele voltou para o trabalho, ouviu várias perguntas constrangedoras e invasivas sobre o que ele havia sentido, insinuando que ele tinha inventado uma doença para não ir trabalhar.
Além disso, eles reclamam que dificilmente recebem uniformes novos. As roupas ficam velhas e precisam ser remendadas, as botas ficam furadas e o único jeito é continuar usando, o problema maior é nos dias de chuva…
O que deve dar muita força para eles acreditarem na vida e no mundo deve ser o sorriso daquela menina e o jeito gentil daquela linda mulher morena…
Priscila Rose Junges e Di Anna Lourenço / Da Hora
Deixe um comentário