Cine da Hora- Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-sol e a idealização do amor.

Há uma frase que diz: “Se todos os relacionamentos dessem certo, não existiriam filmes ou músicas boas”. A verdade é que não há inspiração maior que a própria decepção. São nos momentos de profunda tristeza que nossos instintos criativos vêm à tona. É quando estamos isolados em nossa melancolia que deixamos transparecer nossas emoções de maneira verdadeira e intensa.

Mas, para se chegar ao estado de decepção, é preciso antes acreditar. Crer em algo que poderá dar certo, criar expectativas, fazer planos. O que seria de nós se não tivéssemos com o que sonhar? É através de sonhos que vamos construindo nossa realidade. Porém, essa realidade nem sempre é a esperada, e, ao percebermos que as coisas não aconteceram da maneira com que sonhávamos, nos isolamos em nossos pensamentos, em um estado quase depreciativo.

Cada um lida com a desilusão de uma forma; contudo, filmes sempre são uma alternativa para esses momentos. Na tentativa de curar o desgosto, nos entregamos a toda e qualquer obra que nos faça fugir da realidade, nem que seja por algumas horas. Mas não seriam os filmes os maiores responsáveis por acreditarmos tanto? Por vermos em tela casais se encontrando e sendo felizes, levamos a esperança de que isso aconteça no mundo real. Você até pode encontrar o amor de sua vida ao dobrar uma esquina, porém a vida lhe mostrará que não é como um roteiro cinematográfico, que não há um plano traçado para tudo.

Dos filmes que contemplam o amor, Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-Sol são duas obras-primas desse gênero. Muito mais do que dois filmes de romance, são uma ampla viagem pelos mais diversos assuntos, sob a perspectiva de dois personagens extremamente carismáticos e auto-identificáveis.

Em Antes do Amanhecer, vemos os jovens Jesse e Celine se encontrarem casualmente em uma viagem de trem. Após um breve diálogo, ele a convence a desembarcar em Viena, onde viverão uma noite de conversas e reflexões. Porém, no outro dia ele terá que voltar para os EUA e ela para Paris, restando-lhes aproveitar cada minuto dessa noite mágica.

É com essa premissa muito simples que o filme é construído. Apenas dois personagens, uma forte ligação entre eles e muitas horas da noite para serem vividas. Tudo inteiramente sustentado pelos diálogos dos protagonistas, que falam sobre tudo, morte, vida, religião, amizades, paixões, medos.

Vemos o amor começar a surgir entre eles, em sua forma mais pura. Não se conheciam até pouco tempo, não sabem nada um do outro. Com o decorrer da noite, se apaixonam de tal maneira que, em apenas algumas horas de contato, ambos têm a certeza de que estão diante da única pessoa a qual podem amar pelo resto da vida. Se isto não é o conceito de um amor perfeito, idealizado e verdadeiro, nada mais será.

Mas a vida real esta logo ali, ao amanhecer do dia tudo aquilo se acabará. Eles terão de se separar, mas cada um levará consigo lembranças das quais jamais se esquecerão. Não importa quantas noites mais viverem, nenhuma será tão especial quanto essa passada em Viena.

E isso fica ainda mais presente em Antes do Pôr-do-Sol, história que se passa nove anos após a anterior. E mostra o reencontro do casal, novamente por acaso, em uma livraria de Paris. Jesse escreveu um livro sobre aquela noite, se tornando um escritor de sucesso que está em turnê pela Europa. Celine, que mora na cidade, é frequentadora do local.

O acaso novamente une os dois, e eles terão pouco mais de uma hora juntos, antes de Jesse pegar um avião de volta. Nesse tempo, discutirão o rumo que tomou suas vidas, se fizeram as escolhas certas, e a importância daquele encontro em Viena nove anos atrás.

Muito mais realista e um pouco menos romântico que o primeiro filme, retrata bem a evolução dos personagens, e a diferença que nove anos fazem na vida de uma pessoa. Diálogos mais maduros, porém com a mesma química e naturalidade. Os atores se deliciam e brincam com o roteiro em frente às câmeras. Com tomadas muito longas e sem cortes, o que destaca a absurda relação que um possui para com o outro.

Eles retardam ao máximo a inevitável separação, já passaram por isso uma vez, duas vezes seria demais. Em Antes do Pôr-do-sol não acontece um beijo sequer entre o casal, fato que não impediu o filme de ser uma aula de romance em contraste com a realidade.

Ao final do filme, Celine presenteia Jesse com uma linda canção, mostrando que também homenageara a noite dos dois de alguma forma. Ver Julie Delpy interpretando “A Walt for a Night” é sem dúvida o ponto alto do filme. O final em si é aberto, não deixa claro se eles ficam juntos ou não, dando margem para você mesmo colocar sua própria interpretação do fim.

“Celine: Baby, você vai perder aquele avião.”

“Jesse: Eu sei.”

Marcelo Silva / DaHora

Antes do Pôr-do-sol

Antes do Amanhecer

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