Primeiro dia (16/01): O início de uma longa viagem.
Uma proposta: atravessar o país em 3 dias para participar do maior encontro que reúne a base do movimento estudantil das universidades brasileiras. A 14ª edição do Conselho Nacional de Entidades de Base (CONEB), que é organizado pela União Nacional dos Estudantes (UNE), ocorreu entre os dias 18 e 21 de janeiro em Recife, a capital do estado de Pernambuco.
Após os acadêmicos do campus de Santa Maria, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), embarcarem, o ônibus deixou a cidade por volta da meia-noite e meia do dia 16 de janeiro de 2013, com destino às cidades de Palmeira das Missões e Frederico Westphalen, para pegar os acadêmicos dos campi de ambas as cidades.
A previsão de chegada do ônibus até Frederico Westphalen era às 4h da madrugada, entretanto o ônibus teve um “pequeno” atraso de aproximadamente duas horas. Com todos os estudantes a bordo, deixamos Frederico apenas às 6h30min e partimos com destino à capital pernambucana.
O início da viagem foi como o esperado, todos dormindo para recuperar o sono perdido pela ansiedade pré-viagem. A primeira parada, para café da manhã, foi na cidade de São Miguel do Oeste, já no estado de Santa Catarina. Ao retornar ao ônibus, ocorreu o primeiro espaço para confraternização no qual cada acadêmico se apresentou, compartilhando informações.
A acadêmica do terceiro semestre de Tecnologia em Alimentos e integrante do Diretório Acadêmico de seu curso, Giovana Paula Zandoná, 19, comentou: “É uma viagem longa, mas está sendo muito divertida, estamos todos interagindo. Nunca participei de um evento como esse e espero que isso contribua para meu aprendizado sobre política, e acredito que será um espaço onde poderemos conhecer mais sobre as diferentes culturas que existem”.
A diversidade de cursos foi grande, com acadêmicos desde o curso de Arquivologia até Zootecnia, uma variedade alfabética que abrange a nossa grande UFSM. E, para passar o tempo, brincadeiras, diversão e comida são o combustível para o ânimo da galera. Do truco ao uno, de brincadeiras de adivinhação a cantorias, tudo regado a boas risadas e muita animação, mas, como ninguém é programado para aguentar 24h, tem os momentos de cochilos adaptados para as poltronas do ônibus semi-leito.
A segunda parada foi na cidade de Realeza, já no estado do Paraná, perto do meio-dia, para o almoço e para dar aquela esticada nas pernas. A última parada do dia já foi no estado de São Paulo, na cidade de Tarabaí, onde todos aproveitaram para fazer mais um lanchinho e tomar um merecido banho.
Antes de recomeçar a viagem, o motorista de 18 anos de experiência na profissão, Felipe Bonassa, 43, comentou: “Faltam aproximadamente 2.500 quilômetros de onde estamos (Tarabaí – SP) até Recife. A viagem está sendo tranquila e acredito que seguirá assim até lá”. Para os outros dias de viagem, tínhamos ainda que atravessar os estados de Goiás, Bahia, Sergipe, Alagoas até chegar em Pernambuco.
Segundo dia (17/01): Um susto e vários cenários.
O segundo dia iniciou com uma parada às 8h para um café da manhã reforçado, com direito a um bom copo de café acompanhado de um delicioso pão de queijo, direto da terra dos pães de queijo e dos doces de leite, Minas Gerais, na cidade de Prata.
Quando estávamos nos preparando para deixar Minas, algo nos pegou de surpresa: a bomba de água do motor do ônibus precisou ser trocada – muitos pensaram que ali podia ser o fim da nossa aventura. Mas, depois de duas longas horas de trabalho, os reparos foram garantidos pelos mecânicos do posto onde estávamos parados. Com os devidos consertos realizados, pudemos seguir nossa viagem, partindo às 10h30min rumo ao estado de Goiás.
Devido ao tempo perdido com o reparo do ônibus o almoço atrasou, a parada foi às 14h na cidade de Hidrolândia, localizada no estado de Goiás. Passamos também pelas cidades de Goiânia, Brasília e Formosa, na qual aproveitamos para tomar banho e jantar.
A acadêmica de Ciências Biológicas da UFSM, campus de Palmeira das Missões, Caroline Battisti, 20, comentou a viagem: “A viagem está bem engraçada, está demorando bastante, mas vai dar pra conhecer boa parte do País”. E desabafou: “A parte ruim é preço alto dos banhos nas paradas e o mau atendimento, mas não tem problema porque a gente esta aproveitando”.
Enquanto os quilômetros vão passando, podemos acompanhar, pela vista que as janelas do ônibus nos permitiram ver, a diversidade brasileira. Por exemplo, ao sairmos do Rio Grande do Sul acompanhamos as verdes plantações de soja, passando para a cana no estado do Paraná e observando a bovinocultura no estado de Goiás. Não sabíamos o que nos esperava adiante. Nosso próximo estado era a Bahia. A previsão para chegada em Recife era dia 19 de janeiro pela manhã.
Terceiro dia (18/01): “Ôxente” – Recife à vista!
No amanhecer do dia 18, já estávamos sobre o solo baiano. As paradas ocorreram em três cidades do estado. Café da manhã em Lençóis, o almoço em na cidade de Seabra, mais precisamente no povoado de Santo Antônio, e a janta às 20h (21h no horário de Brasília) na cidade de Alagoinha.
No ônibus, alegria não faltou. Pandeiro e chocalho acompanhados de um batuque improvisado de garrafas de plástico e vozes animadas. Enquanto uns se divertiam, outros aproveitavam para colocar as tarefas em dia, desde relatórios de alguma disciplina de seu curso até Trabalho de Conclusão (TCC).
Durante a noite entramos no estado de Sergipe, e lá fizemos uma parada especial e para matar a curiosidade. Perto da estrada vimos várias barraquinhas de frutas que se amontoavam, e todas repletas de frutas de diversas cores e tamanhos. Como a vontade de conhecer e saborear as frutas da região foi grande, vários acadêmicos e até o motorista quiseram experimentar. E lá conhecemos Jambo, uma fruta de casca lisa e rosada, mas com uma polpa encorpada e de cor branca.
Seguimos nosso trajeto, mas com o cansaço de três dias de viagem nem vimos quando passamos pelo estado de Alagoas, naquele momento estávamos o mais perto de possível de Pernambuco. Ao entrar em Pernambuco pela madrugada, seguimos o rumo direto à capital, Recife, ansiosos para conhecer a capital que acolheria o movimento estudantil por 4 dias.
Quarto Dia (19/01) – Enfim, o CONEB.
Às 8h do dia 19 de janeiro, chegamos enfim à cidade de Recife, e nos deslocamos até o alojamento, podendo nos instalar com calma antes de irmos para a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), local onde foi realizado o CONEB.
Chegamos na UFPE por volta das 11h15min e seguimos para efetuar os credenciamentos de delegados e suplentes da UFSM. Devido à grande fila, a mistura de estados e um pouco de desorganização do evento, o credenciamento demorou mais do que o esperado. O acadêmico de Engenharia Elétrica do Instituto Federal da Bahia (IFBA), Jader Souza Oliveira, 19, reclamou: ]’Fiquei cerca de 2 horas na fila para conseguir me credenciar, havia vários guichês mas apenas um estava realizando o credenciamento, mas a minha expectativa para o CONEB é positiva, espero poder aproveitar os espaços”.
O dia 19 foi o primeiro dia de espaços para debates e grupos de discussões. Cada espaço contava com a presença de convidados que dominavam o assunto ou que já vivenciaram situações relacionadas ao tema, o que enriquecia as discussões. Em determinados momentos, as pessoas que estavam acompanhando as conferências podiam dar a sua opinião, o que demonstrava o intuito de aproximar e dar a vez a todos aqueles que de alguma forma avivam o movimento estudantil.
Os temas eram variados, e aos poucos eles introduziam e encaminhavam os participantes para o objetivo principal de todo o CONEB, modelar a Reforma Universitária pela qual o ensino superior brasileiro necessita passar para atingir a educação que queremos. Debates que abrangiam desde a democratização da mídia até a democratização do acesso à universidade (ENEM, PROUNI e financiamentos). Além de espaços com temas sobre áreas de saúde, como os Hospitais Universitários, e as lutas por assistência estudantil.
Durante todo o dia 19, nós tivemos a oportunidade de acompanhar o desenrolar dessas atividades e todas as reflexões que se davam após os espaços de discussões. A importância de se ter um momento como esse, que só um evento como o CONEB pode proporcionar, ficou clara. Após um 2012 repleto de grandes movimentações, como a greve nas universidades federais, as leis de cotas e até as lutas estudantis que ocorreram na web, nós precisávamos de um momento como o CONEB. Um lugar no qual pudéssemos relacionar as lutas aos seus ideais, para podermos direcionar as nossas atenções para as principais e mais urgentes causas, para reacender a chama do movimento estudantil e mostrar que os universitários têm vez e voz.
Ao fim desse primeiro dia de CONEB, descobrimos o quanto um colchão inflável e um banho gelado podem parecer artigos de luxo.
Quinto dia (20/01): O grande debate!
As atividades na UFPE no dia 20 começaram com tudo: durante a manhã, um dos momentos mais esperados do CONEB ocorreu, o grande Debate Principal. Com o tema “A luta pela reforma universitária: do Manifesto de Córdoba aos nossos dias”, o debate foi realizado no Teatro do Centro de Convenções da UFPE.
O debate refez um caminho pela história, abordando os 95 anos do movimento que assumiu a reforma universitária como uma das principais lutas do movimento estudantil latino-americano. O Manifesto de Córdoba foi um dos maiores movimentos ocorridos na Argentina, no qual estudantes universitários combateram as repressões e os domínios e alcançaram seu objetivo, mudando a realidade universitária da Argentina para sempre.
A mesa do debate foi composta pelo Ministro da Educação Aloízio Mercadante, pela reitora da Universidade Nacional de Córdoba Silvia Scotto, pelo reitor da Universidade Federal de Pernambuco Anísio Dourado e pelo presidente da UNE Daniel Iliescu, além de outros convidados.
Dentro do debate, cada convidado pode colocar a sua opinião e fazer os comentários que julgavam serem relevantes para que todos compreendessem o momento pelo qual o movimento estudantil está passando e as principais lutas travadas pelo movimento. E, após as colocações dos que estavam na mesa, abriu-se espaço para os demais que estavam na plateia.
O debate foi acalorado, muitas reivindicações e protestos marcaram o momento. Intervenções durante as falas do ministro da educação eram feitas com gritos e coros que uniam todos os acadêmicos presentes para cobrar as promessas feitas pelo governo federal, como os 10% do PIB para a educação.
À tarde, o ciclo de debates menores foi retomado, seguindo a mesma organização dos debates do dia 19. O papel da universidade na sociedade, a regulamentação do ensino superior privado e a reflexão sobre como as mulheres podem transformar a universidade foram alguns dos temas oferecidos.
Entretanto, muitos desses debates foram pouco aproveitados. O acadêmico de Serviço Social na Universidade de Brasília, Jonatas Moreth, criticou a escolha de Recife como local para realização do CONEB. “É muito tentador para boa parte dos estudantes que vieram para cá, pois tiveram como concorrência de um debate lotado e com pouca estrutura física a praia ou até mesmo shows. Muitos universitários não participaram devido aos atrativos de Recife”.
À noite, após o encontro de entidades e executivas que representam os cursos, ocorreu uma atividade cultural na Concha Acústica da UFPE, finalizando as atividades do dia. Para animar o pessoal, teve show com a Banda Arquibancada e a apresentação do DJ Incidental.
Sexto dia (21/01): O encerramento animado do CONEB.
Para o último dia de CONEB, já era esperado que houvesse uma grande participação e euforia devido à votação e ao tema – Reforma Universitária. No dia 21 de janeiro ocorreu a plenária final. Um espaço no qual os delegados escolheram, por meio de votação, qual a proposta que vai guiar a UNE e os movimentos estudantis como um todo durante este ano de 2013.
Antes da plenária, foi possível perceber as diferentes diretrizes do movimento estudantil presentes no local. Grupos que defendem suas ideias e opiniões de acordo com aquilo que acreditam ser o melhor para a educação brasileira.
Após a leitura das propostas, era aberto um espaço para a defesa de cada uma, pelos representantes dos grupos que a formularam. A plenária se mostrou um local de rivalidade entre os grupos ali presentes, mas também foi um espaço de reivindicação, protestos e criticas construtivas. Como todos os outros espaços do CONEB, a plenária final se mostrou um espaço rico em reflexão e movimentação político-estudantil.
Na plenária, foram aprovados pelos delegados a destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB), 100% dos royalties do petróleo e 50% do fundo social do pré-sal para a educação. Atualmente, o Brasil aplica pouco mais de 5% do PIB para a educação.
A Bienal da Une.
Entre os dias 22 e 26 de janeiro, ocorreu a 8ª Bienal da Une, nas cidades de Recife e Olinda, em Pernambuco, e nesse ano de 2013 o grande homenageado foi o Rei do Baião, o compositor Luiz Gonzaga. Com o tema “A volta da Asa Branca”, a Bienal reuniu cerca de 10 mil estudantes para diversas atividades culturais, esportivas e artísticas, consagrando-se mais uma vez como o maior festival estudantil da América Latina.
A proposta da Bienal surgiu há 14 anos, e visa incentivar e divulgar a produção artística e cientifica das universidades e escolas brasileiras. Este ano a Bienal explorou o sertão nordestino, sendo embalada pala melodia do Gonzagão, que mesmo diante da seca e da miséria conseguia demonstrar a presença de resquícios de esperança e fé.
A acadêmica de Bacharelado em Artes Visuais na UFSM – campus de Santa Maria, Andressa Argenta, 23, comentou: “A proposta da Bienal é juntar todos os universitários do país em um grande evento de arte, para fomentar a apresentação de trabalhos de todas as áreas, como artes visuais, música, literatura, e este ano com a proposta de apresentar também projetos de extensão”.
Andressa também frisou a importância dos debates que ocorreram e dos convidados que integraram esses espaços, o que promoveu as áreas de educação e cultura e demonstrou a utilidade dos projetos de extensão como uma forma de trabalhar essas áreas dentro e fora das universidades.
Além de apresentações teatrais, musicais e debates, a Bienal ofereceu diversas oficinas e mostras de arte. A 8ª Bienal da UNE seguiu realizando seu objetivo e oferecendo para os visitantes uma pequena amostra da grande diversidade e produção artístico-cultural que ocorre dentro das nossas universidades brasileiras.
A volta ao Rio Grande do Sul.
Após vivenciar algo como o CONEB e a Bienal, a hora de voltar para casa chegou. Por um lado, aquela vontade de ficar um pouco mais, de poder conhecer mais a região e aproveitar o calor do nordeste, mas, por outro lado, aquela ansiedade de voltar, ver os amigos e a família, de contar as novidades, enfim, de retornar ao nosso bom e velho RS.
Deixamos Recife no dia 24 de janeiro à noite, cansados após todos os dias de mobilização acadêmica pela qual passamos por lá. Com um trajeto de viagem um pouco diferente, a volta tinha previsão de ser mais rápida.
Durante os dias 25 e 26, o ônibus virou uma alegria só, todos comentando e opinando sobre os dias que passamos em Recife. Os primeiros dias da viagem de volta tiveram direito a músicas, filmes, brincadeiras e até bolo de aniversário para comemorar mais um ano de vida da futura arquivologista Adriéli Mello.
Infelizmente, no último dia de viagem não só nosso ônibus como todo o país foi coberto por uma tristeza inimaginável. Na parada para o café da manhã no dia 27 de janeiro, um celular tocou, e com a ligação recebemos a terrível notícia: ocorreu um incêndio na boate Kiss em Santa Maria.
Naquele momento, um único pensamento passou pela cabeça de todos: a festa daquele sábado era promovida por vários cursos da UFSM. Lágrimas de desespero, ninguém queria acreditar no que havia acontecido. A cada nova mensagem e ligação recebida, era um amigo, um colega, um conhecido que partiu. O ônibus nunca esteve tão silencioso. Uma voz quebrou o silencio quando foi divulgada a primeira lista com o nome das vítimas. Cada nome era um jovem a menos, uma história de vida interrompida, um sonho a menos.
Termino essa matéria dedicando-a a todas as vítimas da tragédia na boate Kiss, não só aos mais de 230 jovens que perderam a vida, mas também àqueles que ainda estão hospitalizados, aos familiares, amigos, colegas e a todo o Rio Grande do Sul, que ainda chora pela ferida que se abriu no coração do estado.
“Mas vou lembrar que não se morre quando se deixa vivo seu olhar dentro de nós. Mas vou chorar por ser parte daquilo que não entendo, mas vou chorar por você”. – Por Você, Cidadão Quem.
Laura Coutinho / Da Hora
Deixe um comentário