O que esperar de um filme que é tido por muito críticos e especialistas como “o maior filme de todos os tempos”? Poderia a expectativa alta e o conhecimento prévio da grandiosidade do título atrapalhar no julgamento da obra? Se Cidadão Kane é ou não o maior de todos eu não sei, abre-se uma margem para muitas interpretações, mas o fato é que o longa de 1941 é sim um exemplo de clássico que permanece vivo até hoje, mais de 70 anos depois de sua estreia.
O filme conta a história de Charles Foster Kane, um magnata da imprensa americana dono de um império de comunicações, desde seu nascimento e passando por todas as fases de sua vida.
Falar de Cidadão Kane é falar de Orson Welles, que dirige e protagoniza o filme. Após realizar a peça radiofônica “Guerra dos Mundos”, que causou pânico generalizado entre os ouvintes devido ao realismo empregado a ela, Welles fora convidado a dirigir filmes para Hollywood em 1939, dos quais teria total controle artístico.
Se hoje em dia os estúdios ainda mantêm controle sobre quem esta dirigindo seu filme, naquela época, entregar o comando de uma produção para alguém estreante e com apenas 24 anos de idade era algo sem precedentes. Deixaram Orson Welles trabalhar como bem quisesse, e ele fez um filme que revolucionaria a estética do cinema na época.
Várias são as técnicas de filmagens inovadoras utilizadas pelo diretor, como maior profundidade de campo, cenas divididas em camadas, câmeras que voam nos sets em lugares nada comuns. Mas é na narrativa que o longa tem seu maior destaque, com os diálogos naturais que se atropelam entre si. O filme todo sendo construído em torno da busca pelo significado de uma palavra, a partir de retomadas em flashback que contam a trajetória de seu protagonista.
Com um roteiro não-linear e metalinguístico, elabora-se várias linhas temporais dentro de uma única narrativa; a reportagem sobre a vida de Charles Foster Kane logo no começo do longa, as inserções do passado e a linha do presente onde são inseridos os depoimentos sobre Kane.
A fotografia e a trilha sonora são elementos essenciais em qualquer produção audiovisual que se preze, e aqui não poderia ser diferente. A trilha dita o ritmo pelos diversos momentos da conturbada vida cheia de altos e baixos do protagonista. A fotografia toda em preto-e-branco equilibra muitos bem ambientes externos com internos dentro de um mesmo plano.
Charles Foster Kane foi um homem que sempre teve tudo o que quis, e sabia muito bem o que queria. Soube administrar e multiplicar o dinheiro que herdara de sua família, uma pessoa de princípios que mesmo com uma imensa fortuna sempre a deixou em segundo plano. Orson Welles humaniza seu personagem de tal modo que não lhe cabe o julgamento de herói ou vilão, ele apenas é alguém que age dentro de suas convicções. Mas o filme mostra que todo o homem pode ser corrompido pelo poder, perdendo o conceito de felicidade e amor verdadeiro, esquecendo os pequenos prazeres da vida. Por trás deste grande filme e de todas as técnicas nele empregadas, a mensagem é a mais clichê possível: dinheiro não traz felicidade.
Marcelo Silva / Da Hora
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