Caso Bernardo: Polícia Civil divulga inquérito sobre a morte do menino

Passados vinte e nove dias que o corpo do menino Bernardo Uglione Boldrini foi encontrado enterrado no interior do município de Frederico Westphalen, a Polícia Civil do Rio Grande do Sul entregou hoje, dia 13, o inquérito policial que indicia o pai, Leandro Boldrini, a madrasta, Graciele Ugulini e a amiga da madrasta, Edelvânia Wirganovicz, pelo homicídio qualificado e ocultação do cadáver.

A coletiva de imprensa teve início às 14h30min e aconteceu no auditório da Unijuí, na cidade de Três Passos. O inquérito apresentou, além de depoimentos dos indiciados, escutas telefônicas dos mesmos e imagens de câmeras de segurança que comprovam que Graciele e Edelvânia tiveram participação direta no crime. Durante a coletiva, a delegada titular do caso, Caroline Bamberg, expôs também provas testemunhais, documentais e periciais que comprovam a participação dos indiciados e esclarecem a morte do menino de apenas 11 anos. 

A terceira pessoa supostamente envolvida no crime, o irmão de Edelvânia, Evandro Wirganovicz, não foi indiciada pois sua participação no homicídio ainda depende de investigações e melhores esclarecimentos. Leandro, Graciele e Edelvânia foram presos na noite do dia 14 de abril, quando o corpo do menino foi encontrado enterrado. Já Evandro foi preso temporariamente no último sábado, dia 10, em Frederico Westphalen.

Inquérito policial foi entregue ao Ministério Público ontem, dia 14. Foto: Maira Dill.

Inquérito policial foi entregue ao Ministério Público hoje, dia 13. Foto: Maira Dill.

A Polícia Civil divulgou um release indicando o grau de participação de cada envolvido na morte de Bernardo:

  • Leandro Boldrini: teria atuado no crime e na ocultação do cadáver como mentor, junto de Gracieli Ugulini. Teria auxiliado na compra de Midazolam fornecendo receita azul, arquitetado o plano e planejado a história para ficar impune.
  • Graciele Ugulini: seria mentora e teria atuado no crime e na ocultação do cadáver.
  • Edelvânia Wirganovicz: seria executora do crime e teria ocultado o cadáver.

A coletiva de imprensa iniciou com a fala da delegada regional de Três Passos, Cristiane de Moura e Silva Bauss, passando para o delegado Marion Volino e, por fim, a delegada Caroline Bamberg. Ao final de sua fala, Caroline chamou para frente todos policiais civis que ajudaram na investigação do caso e agradeceu pelo trabalho de todos no caso. 

Antes de encerrar a coletiva, ainda foi aberta uma rodada de perguntas da imprensa para a Polícia Civil, que respondeu atentamente ao interrogatório.

Ainda durante o dia, em Três Passos, moradores fizeram uma caminhada até o Fórum da cidade e a casa onde Bernardo residia. 

A decisão agora fica a cargo do Ministério Público, que tem a autoridade de deferir ou indeferir as decisões já tomadas pela Polícia Civil, em um prazo de cinco dias. O inquérito foi entregue ao MP com onze volumes e duas mil páginas.

O garoto estava desaparecido desde o dia 4 de abril, quando teria supostamente saído de casa para passar o final de semana na casa de um amigo. Seu corpo foi encontrado enterrado no dia 14 de abril, às margens do Rio Mico, na Linha São Francisco, interior de Frederico Westphalen.

Entenda o inquérito policial
A delegada regional de Três Passos, Cristiane de Moura e Silva Bauss, deu início à coletiva, contando os detalhes da participação de Edelvânia Wirganovicz na morte do menino, assim como trazendo partes do depoimento que a mesma deu à polícia no dia 14 de abril. Cristiane relatou ainda que no início da investigação a polícia trabalhou em cima de três hipóteses: o desaparecimento do menino por conta própria, um possível sequestro ou um homicídio. No decorrer das investigações as duas primeiras alternativas ficaram mais frágeis, em razão da questão do tempo. Com o surgimento de provas e levantamentos verossímeis, tudo levou a crer que a terceira hipótese seria a mais provável.

Segundo Cristiane, deu-se sequência às investigações com depoimentos de Leandro, Graciele e outras pessoas. O que chamou a atenção da polícia foi a ida de Graciele a Frederico Westphalen, que ela mesma relatou. Quando questionada sobre qual roupa o menino vestia quando saiu de casa, Graciele não soube informar. Foi aí que a polícia resolveu buscar imagens na loja onde a madrasta do menino teria comprado uma televisão, em Frederico Westphalen. Durante a coletiva, a delegada relata que “Nesse momento ela disse que não teria imagens com o menino, pois ela não teria entrado com ele na loja, e sim, que ele teria ficado com sua amiga Edelvânia, na praça, olhando os enfeites de Páscoa. Então focamos a nossa investigação para Três Passos, para analisar o que poderia ter ocorrido”. Após esses relatos, Edelvânia foi ouvida em duas oportunidades e teria apresentado contradições em seus depoimentos, o que levou a polícia a procurar mais provas sobre o envolvimento das duas no crime.

A Delegada Caroline Bamberg respondeu às perguntas feitas pela imprensa, após leitura do inquérito. Foto: Maira Dill.

A delegada Caroline Bamberg respondeu às perguntas feitas pela imprensa, após leitura do inquérito. Foto: Maira Dill.

Por meio de imagens de um posto de gasolina que fica próximo ao prédio onde morava Edelvânia, a polícia constatou que Graciele e Bernardo chegaram no dia 4 de abril naquele local e adentraram no carro de Edelvânia que já os esperava na calçada. Passado um tempo, na sequência das imagens constatou-se que Bernardo não havia retornado com Graciele e Edelvânia. Diante dessa questão e a forte investigação da polícia para apurar o caso, também foi constatado que Edelvânia teria pago nesses dias a prestação de um apartamento no valor de R$ 6.000,00. Intimada para prestar esclarecimentos, a polícia revelou à Edelvânia que já tinham conhecimento de que ela e Graciele haviam estado com Bernardo e que não teriam voltado com o menino na tarde da sexta-feira. 

O relato da delegada Cristiane aponta: “A partir disso, o objetivo da polícia era descobrir onde estava o corpo do menino. Depois de conversas e argumentos concretos, um dos questionamentos feitos a Edelvânia foi: ‘Vamos encontrar Bernardo vivo?’ E ela balançou a cabeça em um sinal de negação e disse que não”.

Na tentativa de sensibilizar Edelvânia, a polícia argumentou a ela que Bernardo mereceria pelo menos um enterro digno, já que havia sofrido tanto em vida. Edelvânia teria correspondido e relatado onde estaria o corpo do menino. Diante dessa questão, a polícia se dirigiu ao local do crime, solicitando a ajuda do Corpo de Bombeiros para que fosse possível a remoção do corpo. Em seus depoimentos, Edelvânia teria relatado também que conhecia Kelly (como Graciele era chamada), que inclusive teriam morado juntas em Frederico por um período e que, há cerca de dois meses, Kelly a teria procurado para ajudar a “dar um fim” em Bernardo, que, segundo ela, incomodava muito e era difícil de lidar. 

Ainda no inquérito policial, consta que, segundo o relato de Edelvânia, Graciele teria todo o crime planejado. Ela já estava com a ideia formada de matar Bernardo. Inclusive teria mencionado que Kelly havia dito que certa vez teria tentado asfixiar Bernardo. Segundo a delegada, há no inquérito provas testemunhais também sobre esse episódio. 

Quando Graciele procurou Edelvânia, teria informado à mesma que mataria Bernardo com um remédio que injetaria na veia do menino. Na necropsia, foi encontrado o medicamento Midazolam, porém sem a confirmação da quantidade, pelo fato de o corpo já ter sido encontrado em estado de decomposição. Graciele teria contado todo o esquema do crime para Edelvânia e pediu que a amiga lhe sugerisse um local para dar sumiço ao corpo. Edelvânia então indicou o local onde posteriormente o corpo foi encontrado. Na quarta-feira, dia 2, as duas teriam ido até esse local, assim como também comprado uma cavadeira e uma pá para criar o buraco onde ocorreu o enterro. 

Edelvânia relatou ainda que Graciele queria também um produto para dissolver rápido o corpo e que não causasse cheiro, ocasião então em que compraram soda em um mercado de Frederico Wespthalen, compra essa comprovada com cupom fiscal do estabelecimento. No dia seguinte, na quinta-feira, Edelvânia relatou que foi ao local onde teria decidido enterrar Bernardo, com seu veículo Siena, para iniciar a cavação da cova. Esse fato também se confirmou por meio de imagens do veículo indo e retornando nos respectivos horários informados por Edelvânia. 

No dia do crime, sexta-feira, Graciele teria passado uma mensagem para Edelvânia informando que estaria indo para enfim concretizar o ato já previamente combinado. Quando Graciele e Bernardo chegaram, Edelvânia já estava esperando os dois e já havia colocado no porta-malas as ferramentas e os medicamentos que seriam usados para matar Bernardo. Além das imagens do posto de gasolina, há também imagens capturadas por câmeras de segurança de outros estabelecimentos que mostram a camionete de Graciele se deslocando até o local do crime. 

Segundo o depoimento de Edelvânia, Graciele teria dito para Bernardo que o levaria em uma benzedeira e que teria de tomar um “piquezinho” na veia. Antes de sair de Três Passos, Graciele teria dado um comprimido “para que o menino não vomitasse na viagem”. Durante as diligências, a polícia constatou também que Edelvânia teria deixado a pá e a cavadeira na residência da sua mãe. 

Edelvânia revelou à polícia que Graciele teria dado ao menino o sedativo Midazolam, e o mesmo se confirma por meio de uma prova documental que mostra o receituário controlado do consultório de Leandro Boldrini, com o nome de Edelvânia. A indiciada adquiriu o medicamento em uma farmácia de Frederico Wespthalen, com seu cartão da farmácia.

Os motivos que teriam levado Graciele a “se livrar” de Bernardo eram de que “ele era um menino difícil de se conviver” e que “a vida com ele era um inferno”.

A delegada Cristiane Bauss concluiu o relato dizendo que todas as provas referidas constam no inquérito e que a participação de Edelvânia ficou clara, não restando dúvidas para a polícia que efetuou o indiciamento da mesma.

Após os relatos da delegada Cristiane, foi a vez do delegado Marion Volino falar sobre a participação de Graciele no crime.

A fala do delegado foi sucinta e explicativa. Segundo a madrasta do garoto, no dia 4 de abril, ao meio-dia, Graciele, Leandro e Bernardo teriam almoçado juntos. As apurações da Polícia Civil apontam que Bernardo foi convencido de que iriam buscar um aquário que o menino tanto queria.

O menino teria entrado no carro com a madrasta, que dirigiu até a cidade de Frederico Westphalen, onde aconteceu o crime. Graciele, ainda na cidade de Três Passos, administrou Midazolam comprimido, para sedar o menino. 

O depoimento de Graciele relatou que, após ter matado o menino, ela teria voltado para a cidade de Três Passos e começado inventar toda a história do desaparecimento do enteado. Para a Polícia Civil, ficou claro que a madrasta não gostava de Bernardo, e que Leandro Boldrini sabia disso, inclusive há depoimentos que mostram que Leandro também não gostava de Bernardo.

A última a falar foi a delegada Caroline Bamberg, que esclareceu a participação do pai do menino no crime, o médico Leandro Boldrini.

A delegada destaca a tranquilidade com que Leandro lidou com a situação desde o início das investigações. Segundo Caroline, ele estava sereno e demonstrava estar tranquilo em todos os momentos em que contatou a polícia. Conforme comprovado no inquérito, Leandro e Graciele passavam a impressão de que estavam de certa forma satisfeitos com o sumiço de Bernardo, e a delegada lembrou ainda da ligação telefônica que Leandro fez a uma rádio informando o desaparecimento do filho.

O fato de Leandro ir até a casa dos amigos procurar Bernardo foi um dos grandes motivos que levaram a polícia a continuar a investigação focada na hipótese de homicídio. Caroline informa que testemunhas relataram em seus depoimentos que o pai nunca procurava o filho, deixando o mesmo às vezes mais de quinze dias na casa das pessoas. Esses fatos nortearam a investigação no sentido de que se tinha mais certeza da participação do pai no crime.

Várias pessoas comparecem ao auditório da Unijuí para ouvir os resultados do inquérito do Caso Bernardo. Foto: Maira Dill.

Várias pessoas comparecem ao auditório da Unijuí para ouvir os resultados do inquérito do Caso Bernardo. Foto: Maira Dill.

Controvérsias nos depoimentos de Leandro, referindo-se à relação dele com o filho e de Graciele com o enteado, ajudaram a polícia nas investigações. Quando o crime foi descoberto, Leandro ainda assumiu saber do ódio de Graciele pelo garoto. Para Caroline, o médico ainda teria tentado induzir a polícia a crer em uma verdade inexistente quando disse que ele, o filho e Graciele não tinham problemas de relacionamento.

Caroline diz ainda que no inquérito consta uma testemunha, amiga de Graciele, que procurou a polícia para informar que no final de janeiro a madrasta do menino esteve em sua casa e relatou várias vezes que ela e Leandro queriam matar Bernardo, que ambos não teriam matado o menino ainda porque não tinham onde enterrá-lo.

Outro fato que corrobora o envolvimento do pai no crime é o de Leandro ter procurado Bernardo na casa de amigos. Segundo testemunhas, Leandro teria dito: “Como é que vou achar esse guri se ele não levou telefone?”. No entanto, o pai relatou em seus depoimentos que teria ligado para Bernardo na sexta, no sábado e no domingo que sucederam o desaparecimento, tentando achar o menino. Para Caroline, essas contradições são parte da história montada por Leandro e Graciele para tentar se eximir do crime.

O pai de Bernardo ainda teria descartado pistas de um possível paradeiro do menino, sem nenhum interesse em visualizar as supostas imagens do filho desaparecido, o que, para Caroline, já mostrava que Leandro sabia que o menino estava morto. Uma amiga de Graciele, em depoimento à polícia, disse que a madrasta de Bernardo não teria capacidade para arquitetar o crime, o que confirma mais ainda para a polícia de que Leandro foi o mentor do crime. 

Ao final, Caroline ainda acrescenta que foram feitas escutas telefônicas com conversas entre familiares de Leandro e de Graciele afirmando que os advogados dos indiciados estavam arquitetando uma estratégia de defesa em conjunto para que Graciele e Edelvânia assumissem o crime, inocentando Leandro, que dessa forma, por possuir a melhor situação financeira dos três, bancaria as duas indiciadas. As referidas interceptações telefônicas estão presentes no inquérito.

 

Maira Dill /Da Hora

 

 

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