Crônica – O rapaz de azul

DSCF1152Procura-se demais pelos clichês da vida. Procura-se o melhor emprego. O melhor carro. A decoração do apartamento mais bonita. O cachorro mais fofo para adotar. O amor da vida. E como as pessoas insistem em ter um amor. Obcecadas por não serem vistas sozinhas. Por não se sentirem sozinhas. Todo mundo é ou já foi assim. E se já foi, nada a impede de tornar a ser.

O rapaz de camisa azul, que passou a balada inteira no mesmo lugar, também procurava por isso, aposto. Trabalhando nesses lugares a gente também vê esse tipo de coisa. Balada. Amor. Vai saber? Foi o que ele pensou.

Vestiu a melhor camisa. Passou o perfume especial que ganhou no último Natal. Conseguiu dinheiro com os pais. Universitário de dezoito anos como a maioria do público da festa, procurava “aquilo que o mundo mais precisa”.

Marcado o horário e local, se parou do lado do bar. Permaneceu lá a noite toda. Chegou confiante. Tinha brilho nos olhos. Equilibrava-se sob os próprios calcanhares. O frio na barriga. A expectativa. Nervosismo do primeiro encontro.

Aposto que ele a conheceu nas redes sociais. Mantiveram um papo legal por algumas semanas. Ela era linda. Loira, olhos castanhos. Parecia simpática. Sabia o que queria. “É ela”. Dias antes não aceitou tomar um café em um barzinho conhecido. “Na balada tem mais gente”. Medo. Insegurança. Talvez ela nem quisesse.

Parado no mesmo lugar por horas. HORAS! Ele procurava por amor. Carinho. Não saiu de lá. Dava dois passos para o lado, comprava um refrigerante e voltava. Não queria beber cerveja para curtir cada detalhe do perfeito rosto da moça. Raquel era o nome dela.

olho certoCinco da manhã, a festa estava quase no fim. Raquel não apareceu. Dividido entre quais dos erros a tinha espantado, cogitava ir pra casa. “Será que foram os minutos em que eu fui buscar água?”. Não. Todo mundo pensa que fez alguma coisa errada.

Ele errou, na verdade. E não foi a ida ao banheiro.

Não se procura por amor. É impossível marcar hora com um futuro sentimento. O local ou a saidinha para beber não decidiriam, no fim das contas, a aprovação da moça. O que será que aconteceu com Raquel?

O erro maior é insistir no amor. É persistir em cultivar um sentimento que ainda não existe. Procurar por amor é como estar num bote, em alto-mar, sem bússola. É impossível saber para qual lado se vai. Saber de qual jeito é melhor remar. Qual peixe comer.

Focar em um amor que (ainda) não existe te dá náuseas por se concentrar demais em um único ponto, no movimento das ondas. É preciso relaxar, olhar para o céu e procurar o próprio norte. Ou leste. Ou oeste. Ou sul. Prestar atenção em si mesmo. Saber que antes de tudo é preciso criar a capacidade de amar a si próprio. Saber que podemos, sim, remar sozinhos. Sem olhar para as ondas e olhar para o horizonte. Não é tão certeiro, mas pelo menos não causa enjôos.

Muitas vezes estamos ocupados olhando para baixo à procura de um submarino. Tecnológico, novo, discreto. E sem perceber, temos uma simpática embarcação de pesca bem à nossa frente. Não é tecnológica e muito menos se esconde. Que nem o amor: singelo e comum, ele simplesmente aparece.

Victória Lieberknecht / Da Hora

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