Consulta a população mostrou que 98,86% dos 120.418 eleitores são contra proposta de hidrelétrica binacional no Rio Uruguai
Aumento dos problemas de saúde e impacto socioeconômico negativo são os dois principais motivos alegados pelos misioñeros para votar contra o projeto de erguer o complexo hidrelétrico de Garabi/Panambi no Rio Uruguai, na fronteira com o Brasil. Esse foi o resultado divulgado hoje resultado da consulta popular que recebeu 120.418 votos dos eleitores da Província de Missiones, noroeste da Argentina, realizado do dia 20 até dia 26. A apuração é manual e começou dia 27, e encerrou hoje, dia 6 de novembro. O placar oficial ficou em 116.598 (96,82%) que votaram NO e 3.506 (2,91%) que votaram SI.
A iniciativa, promovida pela Mesa Provincial, uma organização social que congrega mais de 47 entidades da sociedade civil, busca pressionar o governador da província, Maurice Closs, a convocar um plebiscito sobre o tema. Na Argentina, onde os rios são das províncias – não da União como no Brasil, a lei número 56 estabelece que a realização de obras como as hidrelétricas só podem ser feitas se a população local aprovar.
– É a própria Organização Mundial da Saúde que recomenda não fazer represas na região. É uma bomba biológica. Aqui em Posadas, somos atingidos pelo lago da represa de Yaciretã e os casos de leishmaniose aumentaram em 60%. Temos também uma epidemia de dengue que só aumenta. E para completar, a esquistossomose avança lentamente. Por isso os missioneiros estão pedindo ao governo: parem já com as represas – alerta Raul Aramendy, um dos coordenadores da Mesa.
De acordo com a legislação argentina o governador da província tem de convocar o plebiscito. É irrenunciável e vinculante, ou seja, seu resultado tem força de lei. Foi o que ocorreu na província quando a hidrelétrica de Corpus, em 1996, foi barrada por 90% da população. Por conta desta lei e a eminência de ver a situação se repetir em Misiones é que, segundo Arramendy, o governador não convocou o plebiscito.
– Faz três anos que Closs foge do plebiscito e viola a lei. Ele se nega. Mas não vai poder fugir mais. Esta atitude do governador é antidemocrática. Mas vamos fazer ações cada vez maiores e, como ano que vem temos eleições gerais, vamos convocar a população a não votar em represadores – explica Aramendy, na Praça 9 de julho, centro de Posadas, enquanto fazia corpo-a-corpo com os eleitores.
Para o plebiscito a Mesa colocou por toda a província mais de 1100 urnas. Os votos são de papel, impresso com NO e SI, onde o eleitor maior de 16 anos escolhe a cédula e a coloca em uma urna. A apuração foi feita no dia 27. As cidades que sofrerão maior impacto na Argentina e no Brasil serão Porto Mauá, Alecrim, Garruchos e Alba Posse e Garruchos. As empresas estatais da área de energia elétrica (Ebisa, da argentina e Eletrobras, do Brasil) já apresentaram o estudo do Inventário do trecho binacional do Rio Uruguai, em 2010. Neste estudo, após analisar os 725 quilômetros do Rio Uruguai que estão na fronteira dos dois países, da foz do Rio Peperi-guaçu até a foz do Rio Quaraí, foram definidos dois barramentos, os de Garabi e Panambi. O lago de Garabi inundará as cidades de Garruchos, Azara, Itacaruaré e San Javier, na Argentina. No Brasil, serão afogadas Garruchos e Porto Xavier. Já o barramento de Panambi deixará debaixo d’água a argentina Alba Posse e a brasileira Porto Mauá. O inventário aponta que 9,2 mil pessoas tenham de deixar a área rural que vai virar lago. Das cidadezinhas, ficarão 3,4 mil desalojados. O projeto da construção das obras de Garabi e Panambi vai afetar 44 mil hectares e 19 mil hectares de vegetação nativa. O total é de 63 mil hectares. Do Parque Estadual do Turvo, em Derrubadas (RS), onde se localiza o Salto do Yucumã, o documento menciona a perda de 60 hectares de vegetação nativa protegida por lei. Para a população da cidade de Porto Mauá e Alba Posse, cidades que estão as margens do Rio Uruguai e serão atingidas em cheio se a obra das barragens for adiante, a criação das hidrelétricas assustam e roubam perspectivas de futuro. Para o marinheiro argentino Luís Machado, que há mais de 30 anos trabalha na balsa que faz a travessia entre os dois países, as barragens são um pesadelo.
– É o fim da nossa vida. Vamos perder tudo. Nossa história, nossas casas, amigos. Não vai sobrar nada. Mas estamos lutando agora e estamos de pé. Vamos até as últimas consequências para impedir esta obra – afirma Luis, com seu rosto duro, marcado pelo tempo, de quem vive na água e no sol.
Para a operadora de turismo em Porto Mauá, Lony Dei Ricardi, as barragens não trarão nenhum benefício para a região. Ela é uma das moradoras que trabalha voluntariamente pelo movimento contra a barragem do lado brasileiro. Lony, de sua loja em frente a aduana brasileira, já buscou assessoramento com ongs ambientalistas de Porto Alegre, como o Ingá e Agapam. Para ela, os movimentos sociais como o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) buscam apenas resguardar direitos dos atingidos quando da execução das obras. Já os ambientalistas, questionam o modelo de geração de energia das grandes centrais hidrelétricas, hoje já ultrapassados por novas tecnologias que tem menor impacto, como energia solar e eólica.
– Hoje a gente já sabe que não precisamos de mais hidrelétricas. Não vai faltar luz na casa das pessoas. Estas represas gigantes são boas para as empreiteiras e para a indústria. A energia não fica por aqui. Aqui fica só o abandono e o descaso com os moradores. Estão todos nervosos, estressados. Ninguém sabe mais o que vai ser no futuro.
Para a empresária é necessário que os movimentos cobrem a defesa da Constituição Federal do Brasil que, em seu Art. 225, veda ações que promovam a extinção de espécies da flora e da fauna, como o caso do peixe dourado, já ameaçado pelas barragens existentes rio acima. E também a questão da saúde pública devido as recomendações da OMS de não serem feitas barragens de rios entre a região dos paralelos 30 de latitude Sul e 30 de latitude Norte.
– Como pode um governo usar dinheiro público para causar mal à saúde da sua população? – indaga Lony, exaltada pelas preocupações com um futuro.
Sob o olhar do caudilho Guarani
A estátua em aço e metal brilha ao sol. Seu corpo de mais de 20 metros de altura está carregando uma lança e olha para a cidade de Posadas, tendo a suas cotas o Rio Paraná, uma enormidade de água. Muita água. O único caudilho guarani da Argentina observa o que os posadeños fazem todos os dias ao cruzar pela orla imensa que circunda toda a capital da província de Missiones, um mundo de florestas e rios que formam a mesopotâmia argentina. Porto Alegre teria muito a aprender com Posadas. A sua monumental Avenida Costaneira é um convite a uma vida saudável e agradável. Chega a ter uma praia de areia onde na água limpa peixinhos vem até a margem. A população vive intensamente sua orla, ocupando o local diariamente e até altas horas da noite. No único momento em que não há pessoas na Costanera é na sagrada hora da siesta. Das 12h30min até as 16hs nada funciona na cidade. Até a consulta parou.
Impactos da obra – O projeto da construção das obras de Garabi e Panambi vai afetar 44 mil hectares e 19 mil hectares de vegetação nativa. O total é de 63 mil hectares. Os dados estão no Estudo de Inventário do Rio Uruguai no Trecho Compartilhado entre Argentina e Brasil, produzido pelas empresas estatais relacionadas ao setor elétrico Ebisa (Argentina) e Eletrobras (Brasil), publicado em novembro de 2010. Do Parque do Turvo, o documento menciona a perda de 60 hectares de vegetação nativa protegida por lei.
Esse estudo faz parte das primeiras etapas do processo de avaliação para os dois megaempreendimentos, que custarão, no mínimo, segundo o documento, US$ 5,2 bilhões. O inventário aponta que 9,2 mil pessoas tenham de deixar a área rural que vai virar lago. Das cidadezinhas, ficarão 3,4 mil desalojados. Os técnicos da Ebisa e da Eletrobras estimam que as duas novas usinas tragam como custo ambiental direto uma quantia em torno de US$ 654 milhões.
Quem visita o Salto do Yucumã, a maior queda d’água longitudinal do mundo, já convive com o impacto da Usina Hidrelétrica Foz do Chapecó, que, quando abre suas comportas, eleva em questão de horas o nível do Rio Uruguai, dificultando a visibilidade da atração. Na região já são sete grandes hidrelétricas, sendo duas no Rio Uruguai (Itá e Foz do Chapecó) e as demais em seus principais afluentes: são as usinas de Passo Fundo, Machadinho, Barra Grande, Campos Novos e Monjolinho. Em planejamento também se encontra a usina de Itapiranga, no Rio Uruguai, mais perto ainda do Parque do Turvo e do Salto do Yucumã.
Hoje, segundo a Eletrobras, as usinas do complexos devem gerar 2200MW. O projeto se encontra na fase de definição dos projetos com estudos para viabilização técnica, energética, econômica e ambiental pro meio dos EIAs-RIMAs e cadastro socioeconômicos imobiliários. Porém, o escritório do consórcio que realiza os estudos em Alecrim (RS) foi invadido em 2013 e os trabalhos suspensos até hoje. Segundos as normas do processo, apenas depois de concluídos os estudos de impacto é que podem ser feitos os cadastros da população atingida pelo consórcio.
Carlos Dominguez/Da Hora
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