Percussionista abre Pelotas Jazz Festival com uma celebração da música e do corpo
Na roda, as músicas que trazemos dentro de nós. No meio da roda, Naná Vasconcelos, regia a orquestra onde cada pessoa era um instrumento. Os pés marcavam no chão o ritmo e as mãos faziam as quebras. As vozes das mais de 50 pessoas que enchiam o salão da Bibliotheca Pública Pelotense, na manhã quente de quinta-feira, eram conduzidas pelo percussionista de 70 anos. Nascido em Pernambuco, Juvenal de Holanda Vasconcelos ganhou o mundo reproduzindo os sons da natureza com suas mãos e voz. Morou 25 anos em Nova York e cinco em Paris. Esta condição faz com que toque mais no exterior do que no Brasil.
– Todos os ritmos que existem estão entre um passo e outro. Vamos na mesma pulsação, na mesma sintonia. É o som que todas as pessoas carregam dentro de si. E só ir colocando para fora – explica Naná, fazendo com que a roda de pessoas se movimentassem e cantassem em ritmos sambas, maracatus e até a melodia do rio Amazonas durante uma chuvarada.
A oficina de Naná Vasconcelos abriu as atividades da terceira edição do Pelotas Jazz Festival, que de hoje (20/5) até sábado trará para a cidade alguns dos grandes nomes da música brasileira. Estarão no palco do festival Hermeto Pascoal, João Bosco, Egberto Gismonti, Arismar do Espírito Santo e o convidado francês Richard Galliano, entre outras atrações.
O diferencial do Pelotas Jazz Festival é a gratuidade de todas as apresentações e a realização de oficinas com os principais músicos e grupos. Também gratuita, a oficina de Naná Vasconcelos, esgotou a oferta de vagas em poucas horas.
– O mais legal de tudo que ele é um músico que eu acompanho há muito tempo. O que ele apresentou aqui na oficina, apesar do improviso, mostra a sua música. Mesmo quem não conhecia seu trabalho entrou neste universo. E quem já conhecia, bom, ai foi melhor ainda – comenta Jerry Job, músico de Santa Cruz do Sul (RS) que veio participar do festival.
Por uma hora e meia Naná comandou o ritual sonoro. Os participantes sorriam e cantavam as melodias criadas naquele momento, usando suas próprias vozes, pés e mãos. O salão da antiga biblioteca pulsava em sonoridades que advinham da África, Nordeste e da Amazônia. No pequeno intervalo, ainda há uma breve conversa sobre o seu trabalho com o público.
– Estas sonoridades são únicas. Elas só existem aqui, neste momento. Esta junção de instrumentos e músicas africanas só existe no Brasil. Na África eram separadas. Aqui convivem diferentes Áfricas em diferentes Brasis – fala Naná, enquanto toma uma água banhado de suor.
Seu gongo afinado em ré chama o pessoal para a segunda parte.
– O silêncio é um estado de espírito. A voz é a música e o corpo é o primeiro instrumento – evoca, antes de chamar os maracatus e cantos do comércio de rua, os pregões.
O público naufraga na experiência rítmica. Todos movem os pés, batem palmas e bradam sons como “caxixi, já caiu o caju, caxixi já caiu o caju”, “maracatu, tucamara; maracatu, tucamara”.
A seguir, o percussionista faz com que o grupo reproduza o som da chuva na região do Rio Amazonas, novamente com o conjunto voz, pés e mãos.
– O Amazonas é um reservatório de vida e sabedoria. Lá está o som da natureza. E o som da chuva no Amazonas é para vivenciar, não dá para gravar em um CD – explica Naná antes de promover a sinfonia das chuvas fazendo de todos ali um rio e suas chuvas.
Em êxtase coletivo o grupo é levado as escadas da biblioteca, agora já acompanhados por uma legião de percussionistas, fazendo uma procissão até a praça central da cidade, onde junto ao Chafariz das Nereidas é pedida a benção as entidades para o começo do festival.
À noite, na Rua do Jazz, em palco ao ar livre, tocam ainda o acordeonista Richard Galliano e o grupo Cama de Gato. A primeira noite fecha com show no Teatro Guarany do João Bosco Quinteto. Aqui, em três dias, serão contadas muitas histórias por meio de sons, como diz Naná Vasconcelos, “liberando a potência visual da música”.
Carlos Dominguez/Da Hora
Que show!! Que momento em Alvaro Pouey, belas fotos e registro deste momento tão ímpar e especial.