Egberto Gismonti apresenta espetáculo inspirado
Egberto Amin Gismonti, 66 anos, sobe ao palco do Teatro Guarany, sexta-feira, dia 21 de novembro. Não, eu não estava preparado para o que viria a seguir. Sem dizer nada, Gismonti levou seu corpo alto e magro, vestido de preto até a frente do palco, agradeceu as palmas e sentou-se na banqueta para empunhar seu folclórico vilolão de 10 cordas que acompanham os seus 45 anos de carreira.
No brilho do piano Kkvai, o reflexo da imagem do seu longo cabelo grisalho e a touca de crochê vermelho forte que segura a melena longe dos olhos. Acima dele, a figura do maestro Carlos Gomes observa tudo, ao lado das palavras gravadas Salve, Arte, Salve, que homenageiam o autor da ópera O Guarani, e dos artistas que ali se apresentam. No piano que brilhava seria o companheiro da segunda parte. De seu interior resplandeceria o talento de um dos maiores violonistas do mundo. E pianista, compositor, arranjador, multiinstrumentista.
E Gismonti toca. Seus dedos inquietos percorrem a extensão plana do violão em velocidade e suavidade; vão se criando ambientes completos. Não, isto não é apenas música. Você vai sendo levado a deixar as percepções se abrirem. A técnica é o todo. Nada se separa… o ambiente é o som, sempre forte de experimentações que caracterizam as melodias de Gismonti.
– Vocês não gastem as palmas que amanhã vai ter mais. Obrigado, obrigado, obrigado. A julgar pelo entusiasmo de vocês este Teatro vai durar mais 150 anos. Não esperava tanto não. Está uma beleza. Assim está ótimo – dispara Gismonti, antes de ocupar o piano, em um microfone posicionado no palco apenas para que ele fale diretamente com o público, em pé.
No piano a situação se repete, ampliada pela força sonora do instrumento. O músico junta em si todos os elementos, aquilo que foi escandalizado, o que ainda existe de ontem e os três momentos do agora: amor, prazer e felicidades, intensos em si. Eu vi Mozart, penso, e ele veste o tempo. Existem três pessoas que fazem isso no mundo em que estou hoje: Nana, Hermeto e Egberto. Egberto Naná Hermeto.
Os seus cabelos estão agora esfumaçados de luz amarela, contidos pelo seu peculiar pano vermelho que apontaria sua origem múltipla, filho de pai comerciante libanês e mãe italiana que vieram ganhar a vida no Rio de Janeiro. Seus dedos flutuavam, do Carmo a Pelotas. Tocando a música de cada canto do Brasil.
– Meu tempo de doação é minha vida. Tenho muita consideração por vocês. O tempo de vida é a coisa mais importante que existe. Por alguma razão é o público que faz com que a música brasileira continue crescendo – colocou Gismonti.
Depois, tocou Palhaço e Pelotas pulsou um grau a mais a estibordo. Para os rumos do amanhã.
Diziam no antigo oriente médio que quem melhor tocava o alaúde era o diabo em suas andanças pela terra. E que tocava com o sexto dedo, que na verdade era o rabo. Posso pensar que Gismonti ultrapassou a lenda, ao tocar os sons da terra, sem cauda, só com a cabeça e o coração.
Carlos Dominguez /Da Hora
Galeria de fotos do Show de Egberto Gismonti – Fotos de Daniela Xú
- Egberto Gismonti – fotos de Daniela Xú
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