Um manto de sons na Rua do Jazz

 

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André Togni Quarteto abre maratona de show na Rua do Jazz – fotos Alvaro Pouey /Da Hora

Segundo dia de shows do Pelotas Jazz Festival foi brilhante e variado

André Togni Quarteto abriu a tarde, do dia 21, abafadíssima com um jazz executado em contrabaixo, piano, bateria e sax, no estilo que entendidos do tema chamam de smooth jazz. Aqui chamamos de música boa. O grupo do mineiro de Belo Horizonte radicado em Brasília foi executada com determinação, onde Togni mostrou suas composições, fazendo em Pelotas o lançamento de seu mais recente trabalho “Lugar de Sal”. O segundo dia do Pelotas Jazz Festival arrancava com toda a força.

O André Togni Quarteto foi sucedido pelo grupo pelotense Organic Groove que estabeleceu uma sintonia forte com a plateia, levando o público a dançar nas laterais da Rua do Jazz, embaladas pelas melodias hipnóticas do grupo pelotense que experimentava sonoridades baseadas na percussão influenciada por ritmos orientais e indianos, tocadas por Davi Batuca e Gábi Mesquita, balizados por baixo e guitarra, tocadas por Dhyan Diano e Dione Silveira. Sons do outro lado do parâmetro. Hipinótico, primitivo, multiétnico, eletroeletrônico, engrooveisado, com batidas percussivas que fazia os rastas balançarem as cabeleiras. Baixo forte e guitarra discursiva em distorção se entrelaçam com berimbaus percucionados na horizontal. Nos arredores, muitas bicicletas, chinelos havaiana, batas indianas, cores de paz e jamaica. Roupas mil em corpos hiper tattoadas que se balançam suavemente nos tambores indianos secundados por gravações de cítaras. As palmas ganham a Rua do Jazz.

O líder da banda faz o ritmo com sua plateia, de homens de muitas barbas, cabelos e imagens. Ainda falta uma canção, mas já há muita fumaça de cigarro na volta dos vestidos floridos e cabelos soltos rodopiando pela pilha de chinelos que deixam os pés mais soltos e livres. Quando Davi Batuca chama o saxofonista Daniel Zanotelli para uma participação especial – já preparando para a próxima atração – o espaço do festival já era uma pista de dança. Uma moça com sua bicicleta azul, nos cabelos pretos curtos, botinas nos pés, tatto na batata-da-perna, jaqueta amarela e uma mochila vermelha nas costas, para combinar com a armação dos óculos escuros, dançando como se estivesse em uma rave, de olhos fechados, concentrada na melodia. Ao final, o primeiro pedido de bis no local é atendido.IMG_8471

O intervalo foi embalado pelos sons das divas do jazz norte-americano, Ella e Billie. A multidão de pelotenses e turistas caminham pelas calçadas com todas as manifestações de cores e credos. Um ótimo momento para que os moradores se contemplem em sua própria e rica diversidade. Onde o outro é o meu reflexo distinto.

Por algum motivo, quando DJ Helô coloca em execução um dos antigos blues do delta do Mississípi, os rostos e os pés se embalam. As duas senhoras acomodam-se em suas cadeiras de praia. Lair e Edi cantam no coral Santo Antônio há mais de trinta anos. O interesse pela música e espetáculos é antiga. Frequentavam as arquibancadas superiores do Teatro Guarany, quando ainda estavam em uso.

– O nosso coral funciona há 73 anos sem interrupção. Eu sempre gostei de cantar, de teatro, dança, tudo. Tenho um irmão que trabalha com teatro no Rio de Janeiro e sempre que vou lá procuro estes espetáculos. Hoje está tudo aqui, na minha terra. É muito bom – afirma Lair, por trás dos grossos óculos escuros aos seus já bem vividos 76 anos.IMG_8553

O Clube do Jazz, quinteto formado por Daniel Zanotelli (saxofone e flauta), Guilherme Ceron (baixo), Renato Popó (bateria), Gustavo Otesbelgue (guitarra) e Eduardo Varela (piano), integrantes que idealizaram o festival, já tocou para uma Rua do Jazz lotada, começou com o tema O inverso do avesso. O grupo, com um belo entrosamento executou temas longos que evidenciavam a divisão rítmica de uma melodia não-linear, onde os altos e baixos são bem dosados, produzindo momentos alternados de euforia e introspecção.

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Gilberto Oliveira e a milonga litorânea

Quando já eram 18h43min e surgiam as primeiras ameaças de chuva, que acabou caindo já no final da apresentação. Sobe ao palco para tocar um chamamé o gaiteiro de uruguaiana Guilherme Goulart. Os sons do Clube já ganhavam a plateia, naturalmente simpática ao grupo. É hora do baterista dar o seu solo. Volta a moça que dança com sua bicicleta azul, no mesmo balançar da cabeça e sorriso faceiro. A música facilita encontros. O encontrar é rebelde e impulsivo, necessita ser cortejado por muitas intervenções de sons, palavras, frases inteiras de emoções. O palco vai se enchendo de acordes gaúchos, encaminhando a passagem de outro convidado, o guitarrista Gilberto Oliveira, 52 anos, que apresentou a sua particular milonga litorânea, uma fusão dos ritmos que resultou numa pegada forte e contagiante para a plateia. As gotas de chuva são gotas de milongas.

Quando o sol retorna, para dar seu último recado, um satisfeitíssimo Eduardo Varela fala que nesta edição do festival “se aproveitou tudo”. Para os próximos, muito trabalho e buscar mais ainda, como por exemplo, trazer atrações internacionais. E seguir com a parceria do poder público, essencial para a concretização do projeto e a manutenção da gratuidade, característica diferencial do Pelotas Jazz Festival.

– É uma obrigação do poder público que é requerida pela aclamação da população. Assim se a democratiza a informação. Ao mantermos e ampliarmos as parcerias podemos nos permitir trazer atrações internacionais. Quanto mais gente mais bonito – projeta Varela.

Agora era só esperar por um momento indescritível. Ouvir Egbeto Gismonti tocar no Teatro Guarany. Sim, sempre pode ficar melhor. Mesmo quando já está ótimo.

 

Carlos Dominguez/ Da Hora

 

 

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