Professora da UFSM/FW lança livro sobre cobertura jornalística da RIO+20

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Foto: Divulgação

Com o principal objetivo de reafirmar e renovar a participação dos países no desenvolvimento sustentável, o encontro que reuniu líderes de 188 países no Rio de Janeiro, completou quatro anos na última segunda, 13. A Conferência que ficou conhecida como Rio+20, em alusão aos 20 anos da ECO-92, apresentou propostas para o desenvolvimento sustentável aliando economia e meio ambiente.

Partindo da análise das notícias veiculadas durante o encontro e a vontade de abranger mais pessoas interessadas no assunto de jornalismo ambiental, a professora da Universidade Federal de Santa Maria campus Frederico Westphalen, Cláudia Herte de Moraes, viu no encontro uma oportunidade de pesquisa para sua tese de doutorado. E buscando expandir o alcance da pesquisa, sua tese virou livro, o que permite que um maior número de interessados no assunto possa ter acesso. O livro “Rio+20 entre o clima e a economia” está sendo distribuído gratuitamente na forma de E-book pela editora Canal 6 (o link se encontra ao final da reportagem).

Confira a entrevista que a professora Cláudia concedeu à Agência da Hora:

DH – Um dos objetivos do livro “Rio+20 entre o clima e a economia” é fazer uma análise da conferência da ONU sobre o desenvolvimento sustentável por um viés jornalístico. Em que momento essa ideia surgiu para você como uma oportunidade de estudo?

Cláudia – Eu acompanho o tema ambiental no jornalismo há mais de dez anos e a questão climática passou a ser uma preocupação cada vez maior na sociedade global a partir da publicação, em 2007, do IV Relatório do IPPC, que é o Painel Intergovernamental da Mudança do Clima, ligado à ONU e que reúne cientistas do clima no mundo todo. Neste relatório ficou claro que a sociedade precisa rever sua forma de produção, de uso de solos, de produção de energia, e tudo aquilo que pode interferir na emissão de gases de efeito estufa que ampliam o aquecimento global. Assim, o aquecimento global crescente foi apontado como principal fonte da mudança do clima, e que terá um grande impacto em várias atividades humanas, causando desastres e eventos extremos, como tempestades e enchentes entre outros. Eu passei a me perguntar de que forma a questão climática estava sendo abordada pelo jornalismo, levando em conta que os meios de comunicação são uma parte importante de construção dos discursos sobre quais os caminhos, quais as alternativas em relação ao meio ambiente. Quando ingressei no doutorado, em 2011, percebi que era um assunto ainda pouco desenvolvido nos estudos sobre jornalismo no Brasil, e então me dediquei a ele, buscando perceber de que forma o discurso sobre o clima – e sobre a economia – estavam sendo trazidos ao público.

DH – O ramo da pesquisa em jornalismo ambiental é algo quem vem ganhando espaço a partir da conferência Eco 92, mas que muitos ainda desconhecem. Você poderia explicar um pouco sobre o tema e quais trabalhos desenvolve nessa área de pesquisa?

Cláudia – Realmente a pesquisa em jornalismo ambiental está tendo um espaço maior nas universidades brasileiras e em todo o mundo. A temática ambiental é, em primeiro lugar, complexa e exige uma postura de buscar o entendimento global dos temas, e isso exige que tenhamos que pensar a partir de uma definição importante sobre nosso papel geracional, e nos perguntar, que planeta deixaremos para nossos filhos e netos? Não é correto pensar que o meio ambiente seja relacionado apenas aos chamados “recursos naturais”, às florestas e proteção de animais, mas ao contrário, a crise ambiental exige que os homens se entendam parte da natureza, e isso muda tudo. Se cada um de nós se enxergar como parte da natureza podemos entender que não sobrevivemos fora da sustentabilidade. E nada do que fazemos é livre de impacto ambiental. Tomando este entendimento, e participando do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental na UFRGS, coordenado pela professora Dra. Ilza Girardi, estudamos o papel do jornalismo em todos os suportes midiáticos, estudamos jornais, revistas, programas de rádio e TV, sites, blogs, enfim, nossa preocupação é entender de que forma pode o jornalismo contribuir para uma vida sustentável, e pensamos que é necessário que a visão do jornalista seja menos antropocêntrica (que coloca o ser humano acima dos outros seres) e mais solidária.

DH – O livro, por ter iniciado como uma tese de doutorado, traz uma pesquisa científica, que foi realizada em revistas semanais (Veja, Isto É, Época e Carta Capital) que veicularam notícias e informação sobre a Rio+20. Você teve algo que influenciou na escolha dessas revistas em especifico?

Cláudia – Sim, fizemos uma escolha, como em qualquer trabalho de pesquisa, pensando em algumas variáveis. No meu caso, pensei em observar as revistas de informação geral no Brasil que são consideradas veículos de grande alcance social. Mesmo que não cheguem a todas as parcelas da população, pois são obviamente dirigidas à elite do país, acabam por mostrar os principais discursos que circulam socialmente. Além disso, são repercutidas em outros veículos como televisão e internet, por exemplo. As quatro revistas têm circulação nacional e estão voltadas aos grandes temas, como no caso, a cobertura da Conferência Rio+20.

DH – A economia e o clima estão diretamente interligados, algumas vezes em posições antagônicas, outras em posições amigáveis. Como você definiria a posição que vivemos atualmente, se o desenvolvimento a economia está com os cuidados necessário com o meio ambiente ou está se observando uma busca por capital maior que a preocupação com a natureza? E como o jornalismo vêm refletindo isto?

Cláudia – Cada vez mais a economia tem relação com o clima porque as decisões da economia são influenciadas pelo, ou influenciam o clima. Se a produção de alimentos, por exemplo, faz uso cada vez maior de agrotóxicos, isso afeta a saúde do solo. Com o tempo, este solo pode ficar infértil e a produção de alimentos ficar ainda mais cara. O uso da água e a falta de saneamento são outros elementos que impactam a economia e vice-versa. O que ficou muito claro é que, de maneira geral, ainda não “caiu a ficha”, ainda há investimentos predatórios em relação à natureza, há impactos gigantes em construções de grandes usinas hidrelétricas, por exemplo. E, de maneira muito forte, percebemos que a preocupação maior é com o lucro, com o imediato, com a defesa de um modo de vida consumista, que só faz crescer a crise ambiental. É determinante e urgente que a sociedade discuta as questões de fundo, que se tenha maior debate sobre o tema ambiental, e infelizmente isso não está sendo proposto pelo jornalismo atual.

DH – Em um dos capítulos do livro, o papel do jornalismo diante da crise ambiental é estudado, em especial o papel do jornalismo ambiental para uma atuação cidadã. Como você analisa o atual cenário jornalístico mediante a transmissão de informações em grandes conflitos ambientais?

Cláudia – Os conflitos ambientais estão latentes em nossa sociedade, isso porque quem escolhe o modelo de desenvolvimento a seguir são os poderosos, aqueles que enriquecem ou geram lucros com o uso desmedido dos bens naturais. Já as populações mais pobres ou marginalizadas, pouco ou nada conseguem fazer contra a devastação. O jornalismo deveria ser posicionado em relação a defender os que não têm voz, aqueles que muitas vezes são despejados de suas comunidades para a realização de grandes obras, de estradas, de usinas. Enfim, o conflito ambiental é também regulado pelo poder econômico, e o jornalismo deveria estar ao lado da construção da cidadania, que parte do conceito amplo de conquistas de direitos fundamentais, como o direito à vida, à saúde, ao meio ambiente saudável, à democracia, à cultura. Falta para o jornalismo este posicionamento, por isso tratamos o tema  como importante para a formação do jornalista e propomos que seja estudado ainda na graduação. O que pode ser um alento, é que há também iniciativas, em jornalismo alternativo e muitas vezes na internet, o reforço na promoção da participação social e da cidadania, discutindo-se justamente estas questões de fundo.

DH – Em uma explicação rápida, o que foi percebido com o estudo sobre a conferência Rio+20, houve uma pendência para o lado econômico ou o papel ambiental do jornalismo foi executado?

Cláudia – O pensamento hegemônico na sociedade se constitui também nos discursos das revistas estudadas, ou seja, é o viés econômico que baliza o que pode ser feito para “salvar o planeta”, sendo que, na verdade, o planeta irá sobreviver a nós, então o que está em jogo é a própria sobrevivência humana, não teremos como viver num planeta aquecido, com inundações, com doenças e epidemias e falta de alimentos, algumas consequências do aquecimento. Desta forma, analisamos os discursos das revistas e se confirmou que todas estão baseadas neste modelo econômico que, de certa forma, por meio da chamada Economia Verde, tende a colocar o meio ambiente como uma dimensão a ser entendida,  com o principal objetivo de continuar a exploração e a geração de lucros. Ou seja, não há nesta perspectiva uma real mudança de paradigma. No entanto, também observamos que há uma luta de sentidos, há sentidos emergentes baseados no saber ambiental. Eles aparecem residualmente nas fontes de ambientalistas, cientistas, jovens, populações tradicionais, que demonstram que é preciso fazer uma mudança muito profunda, uma verdadeira transformação em relação ao que estamos fazendo, das pequenas às grandes atitudes e, principalmente, chegando-se ao nível das políticas públicas. O estudo comprova a importância de trazer fontes mais plurais, saindo das puramente oficiais ou empresariais.

DH – Finalizando, você teria alguma consideração final a fazer sobre o livro?

Cláudia – Nosso objetivo, ao transformar a tese neste livro, é fazer circular de forma mais abrangente a proposta de estudar o jornalismo e o tema ambiental a partir da construção dos seus discursos. O livro propõe que os enquadramentos discursivos sobre a Rio+20 são a expressão da prática jornalística, que coloca em funcionamento uma série de elementos já arraigados no campo, como a escolha do ângulo de abordagem, as fontes que são apresentadas, a ênfase a alguns aspectos em detrimento de outros. Esses discursos trazem para os leitores uma visão de mundo já organizada dentro de uma ideologia, de um discurso maior que é baseado no modelo capitalista, no uso da natureza para geração de “desenvolvimento” e lucro em primeiro lugar. A economia e o clima estão em lados opostos, porque não estamos falando a partir de uma racionalidade ambiental, mas de uma racionalidade totalmente instrumentalista.

Cláudia Herte

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A autora: Jornalista, mestre em Ciências da Comunicação (Unisinos) e doutora em Comunicação e Informação (Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS). Com atuação na área desde os anos 1990, a autora é professora na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, no campus Frederico Westphalen. Líder do Grupo de Pesquisa Midiação – Educomunicação e Meio Ambiente (CNPq-UFSM) e Membro do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq-UFRGS).

Baixe gratuitamente, aqui, o livro “RIO+20 entre o clima e a economia”.

 Wellington Hack, acadêmico do 1º semestre, voluntário da Agência da Hora

 

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