Cortes nas verbas educacionais, leis que buscam o fim da gratuidade do ensino e o aumento da contribuição trabalhista levaram alunos e professores a se unirem durante toda esta quinta-feira,16, na luta por uma educação pública, gratuita, democrática e socialmente referenciada. O dia de ocupação das universidades federais foi um ato promovido em diversas instituições de ensino superior do país, todos com um objetivo em comum mas com a programação adaptada à sua realidade.
No campus da UFSM Frederico Westphalen, a ocupação teve início às 8h30 com a exibição do documentário “Junho- o mês que abalou o país”. Na abertura da mobilização, o professor Luciano Miranda, coordenador do movimento no campus, dedicou a ocupação às vítimas do ataque terrorista que deixou 50 mortos em Orlando (EUA) e ao professor Márcio Antônio de Oliveira, ex-presidente da ANDES-SN que faleceu na última segunda-feira, 13. “Não dedicamos este ato somente a eles, mas também a todos as vítimas de assassinatos, que ocorrem diariamente no país e que a população espera da mídia sua ajuda”, lembrou Miranda, em referência ao grande número de alunos ligados à comunicação no ato.
A programação idealizada nacionalmente pelas entidades vinculadas ao serviço público e ao ensino visa conscientizar os acadêmicos da UFSM/FW para lutarem pela educação, para que os projetos que pretendem privatizar esses serviços sejam barrados. Exemplos de projetos que estão na lista de privatizações são a Contrarreforma da Previdência e o PLP 257/16.
Pela manhã, houve debate com representantes do Movimento dos Pequenos Agricultores, sobre os usos de agrotóxicos na agricultura e os movimentos populares. O debate foi mediado pelo professor Wesley Grijó, que relacionou o documentário aos motivos da ocupação. Logo após, os Diretórios Acadêmicos do campus realizaram o almoço-reunião, onde foram debatidas as ações desenvolvidas.
A programação da tarde contou com o debate sobre o documentário “Pequeno Grão de Areia”, mediado pela professora Luciana Carvalho, e o micro- curso sobre “Pensamento econômico e ‘gerações’ de direitos”’, ministrado pelo professor Luciano Miranda.
O dia de Ocupação Cultural e Política da UFSM foi programado e realizado pela Seção Sindical Dos Docentes Da UFSM; Associação Dos Servidores Da UFSM; Sindicato Dos Professores Do Rio Grande do Sul; Sindicato Dos Professores Municipais De Santa Maria; Fórum De Mulheres De Santa Maria; SINDICAIXA; Central Sindical e Popular e o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior.
POSIÇÃO DOS MOVIMENTOS
Para a estudante de Jornalismo Cleusa Jung, integrante do DACOM (Diretório Acadêmico de Comunicação), o evento alcançou o objetivo de promover debates. “Os espaços que ocorreram durante a mobilização de hoje foram momentos para debater ideias e novas perspectivas. Assistimos dois documentários que serviram como base pro debate e com certeza, foram de fundamental importância para subsidiar as discussões sobre as mobilizações de junho de 2013 com o momento político que vivemos e também, sobre a educação. Vejo também, como uma possibilidade dos estudantes e entidades poderem se expressar e de relatarem as suas experiências. Em números, a participação dos estudantes e docentes poderia ter sido maior, devido à relevância social das questões que foram debatidas. Mas, isso não impediu a riqueza e importância do momento para discutir questões que nos afetam tão diretamente, como por exemplo, a educação e democratização da mídia”, afirmou.
Regis Piovesan, 3° vice-presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) e estudante de Agronomia, entende a universidade como um espaço que reflete a sociedade. “Discutir temas que tocam a sociedade também faz parte da construção do conhecimento dentro da universidade. Esse pra mim é o grande saldo do dia de hoje: o contato dos estudantes com temas que cotidianamente não veem dentro das salas de aula, a oportunidade de ouvir ideias e pensamentos diferentes e colocar a sua opinião em um espaço aberto e de debate”, refletiu.
O professor Rafael Foletto, do Departamento de Ciências da Comunicação, acredita que o jovem exerce um papel fundamental na sociedade atual. “As Juventudes tem sido protagonistas nos recentes acontecimentos políticos do país e, aqui no nosso Estado, por exemplo, o movimento “ocupa tudo” conseguiu mobilizar diferentes setores da sociedade e, inclusive, lograr importantes vitórias, mesmo que momentâneas, como a suspensão do projeto de lei que prevê a privatização das escolas públicas. É importante dar voz e ouvir os posicionamentos, visões de mundo, pensamentos, desejos e angustias dos estudantes, para além das questões de sala de aula, pois essas percepções podem contribuem muito para os avanços do ensino universitário” ressaltou.
Ocupar por quê?
Muitos são os motivos que motivaram a realização da ocupação nas Universidades Federais. Entre eles, três se destacaram devido à problematização que eles apresentam. Confira abaixo as três propostas que serviram de base para o movimento político cultural realizado na UFSM.
Proposta de Emenda Constitucional – PEC 395/14
Idealizada pelo deputado federal Alex Canziani (PTB//PR), a proposta altera a o inciso IV do art. 206 da Constituição Federal, referente à gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. O projeto que foi apresentado em 2014, foi aprovado em votação plenária na Câmara dos Deputados no dia 24 de fevereiro de 2016. Para ser sancionada a proposta deve ser votada novamente pela Câmara e após seguir para o Senado Federal, onde também depende de duas votações para ser aprovada. Em sua justificativa, a proposta usa de base que embora gratuita de acesso a todos “as atividades de ensino, geralmente se dirigem a públicos restritos, quase sempre profissionais e empregados de grandes empresas”. No texto aprovado pelo relator do projeto, Osmar Serraglio (PMDB/PR) as questões judiciais também são levantadas e rebatidas afirmando que “- cujo elo com a matéria educacional pode ser aferido pelo exercício da Presidência da Frente Parlamentar em Defesa da Educação – é que o Poder Legislativo não seja, mais uma vez, ultrapassado pelo ativismo judiciário: que decida, este Poder, como deve o tema ser enfrentado.” Segundo a ANDES-SN e a SEDUFSM, essa proposta aliada ao corte orçamentário, vem para alavancar a privatização de setores públicos.
Proposta de Lei Complementar – PLC 257/16
Editada a partir do Executivo Federal, a proposta de lei está sendo votada em regime de prioridade pela Câmara de Deputados. Sustentada na crise econômica que as unidades federativas vêm enfrentando, a lei busca o reequilíbrio fiscal, ou Reforma Fiscal, das contas públicas, por meio de uma série de medidas que devem ser adotadas pelos estados e pela união. Dentre outras ações a proposta prevê o congelamento dos salários dos servidores, corte nos benefícios em no mínimo 30%, a suspenção da contratação de novos servidores e o aumento da contribuição trabalhista. Para seguir em deliberação plenária, a lei ainda precisa do parecer favorável da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), da Comissão de Finanças e Tributação (CFT) e da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). No dia 14 de junho foi indicado como relator do processo o deputado Wolney Queiroz (PDT/PE). Em uma de suas justificativas para a elaboração da lei, o redator expõe que: “O SCE é o principal instrumento de crédito oficial às exportações de aeronaves brasileiras. Entretanto, o Brasil figura entre os grandes exportadores de aeronaves como o único que ainda provê seguro para o financiamento de suas exportações, o que reduz o apetite dos bancos comerciais e prejudica a indústria nacional”. Segundo a ANDES-SN a medida é inviável, e aponta a auditoria da dívida pública e a reforma fiscal como uma solução para a crise pública.
Corte orçamentário da Educação
Segundo dados divulgados pela ANDES-SN os cortes realizados no primeiro trimestre de 2016 na área da educação somam uma perda de R$6,4 bilhões. No ano de 2015 o ministério da educação sofreu uma redução de mais de R$11 bilhões, e os recursos que deveriam ser investidos na educação pública foram destinados a pagamentos da dívida pública. Aproximadamente 42% dos investimentos da União foram consumidos nessa prática, em valores reais isso soma R$ 962 bilhões do orçamento federal. Enquanto isso o MEC teve seu orçamento total em R$ 39 bilhões.
Esse quadro contribuiu para a precariedade que as instituições federais de ensino passam, onde as dificuldades financeiras e estruturais se agravam cada vez mais.
Texto e fotos:
Carine Zandoná Bedcke – bolsista Agência da Hora
Wellington Hack – voluntário Agência da Hora
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