Eles gostavam de ler, escrever, e acima de tudo viver. Mostrar a importância de desvendar histórias e fatos que se desenrolavam ali, bem perto deles. A cidade era pequena, mas com plena capacidade de noticiar, por que não fazê-lo? É parte da cultura, parte da comunidade, do crescimento coletivo. Faz parte da alma do jornalismo. Comunicar, contribuir com todos pela informação. Informação daqui, dali, de cada um. Sem nome próprio, só com um codinome, mas com uma bagagem rica. É com ideais como esss que surge o primeiro jornal de Frederico Westphalen, o CineFatos.
Com as mãos marcadas pela idade, o olhar saudoso percorre as páginas amareladas, mas carregadas de sentimentos. O medo de que as lembranças sejam esquecidas é evidente. A maneira como fala do que viveu e sentiu e o sorriso, acanhado fazem com que se enrede nas memórias lindas e cheias de utopias juvenis. Pois, agora, é o único que ainda vive e tenta relembrar essas experiências.
Os cabelos já não possuem a cor da juventude. Mesmo assim, os mantém caídos sobre a testa. A silhueta é emoldurada pela luminosidade da janela. Ele calmamente repousa a mão sobre os lábios na tentativa de segurar o riso, mas finalmente começa a falar. Wilson Ferigollo, integrante do famoso, e já extinto, CineFatos, de Frederico Westphalen. Um jornal de escala municipal, distribuído na porta do antigo cinema frederiquense, que cresceu meteoricamente num curto prazo. Foram 32 edições, de 20 de junho de 1965 até 21 de janeiro de 1966.
O início de tudo
Em meados de 1965, o regime militar cada vez mais “puxava as rédeas” do país, mas mesmo assim, não impediu o sonho de jovens de ouvirem a voz do povo. Qual a melhor forma? Criando um jornal.
O forasteiro Luís Fernandes, recém-chegado ao município, com o perdão do trocadilho, tirou do papel a ideia de criar um jornal. No entanto, a intenção não era simplesmente criar um jornal. Eles queriam mais, muito mais. Numa época tão rígida, precisavam saber quais eram as necessidades da população e quais histórias eles teriam para oferecer. João Maria da Costa foi o primeiro a aderir. Costa definiu que o jornal seria entregue em frente ao cinema da cidade, o antigo Cine Teatro Jussara — ponto turístico muito procurado na época em Frederico Westphalen — e a partir disso, surgia o nome do nosso ilustre personagem, CineFatos.
O intuito do CineFatos era ser um jornal de todos e para todos, contudo, quem escrevia muitas vezes tinha medo de se identificar. As intrigas não eram pela época, mas sim pelas pessoas. Nem sempre contentamos todo mundo, não é mesmo? Não seria diferente com o CineFatos. Então, geralmente as pessoas que escreviam utilizavam de pseudônimos, como Golof, JT, Madalena, Hollywood, Luandes, Pimentinha, Luce.
E as pautas?
Atualmente, são dadas diversas nomenclaturas para as reuniões de pauta, e elas são extremamente comuns nas redações. No entanto, as reuniões de pauta do CineFatos não eram realizadas do modo tradicional. Devido ao fato de que o jornal não era o único trabalho dos jovens. O horário do café era o único momento que possuíam para discutir quais seriam os temas abordados durante a semana. Mal sabiam os curiosos que a “conversa de bar” era a reunião da pauta à moda da época.
Apesar da fama de “bar dos bandidos”, larápios não frequentavam o local. O nome carinhoso dado ao bar está ligado à história do Cine Teatro Jussara. O cinema era localizado ao lado do bar e na época, filmes de faroeste estavam na moda, por isso Clint Eastowood e companhia influenciaram o pessoal. “Lá [no bar], nós conversávamos sobre o que cada um iria escrever na semana. Uma conversa de uns 15 minutos, e depois nos encontrávamos à noite, de novo”, comenta Ferigollo. Aos poucos, Luís Fernandes e João Maria da Costa começaram a armar o próximo passo do plano jornalisticamente perfeito.
No início ninguém imaginava a repercussão que o jornal teria, porém, com o passar do tempo, a rádio da cidade começou a interferir nos assuntos relacionados ao CineFatos. Mas os jovens estavam dispostos a manter o sonho vivo e encontraram uma alternativa. A alma do negócio: a propaganda. Empresas da cidade passaram a anunciar e auxiliavam na sobrevivência do jornal.
A divisão
O jornal era dividido em categorias, escritas por diversas pessoas, sempre utilizando pseudônimos. A intenção era atingir todas as pessoas e relatar o que as interessava, além de mostrar o que era considerado relevante para a época. O CineFatos, basicamente, era composto por crônicas, buscando assim uma aproximação maior entre escritor e leitor.
“Assim deixamos às vossas mãos o futuro de nosso CINEFATOS, e temos certeza que seremos alvos da mais pura e sincera compreenção, e para todos mais uma vez o nosso muito OBRIGADO.” (sic), diz o texto de apresentação do periódico.
Inaugurando as páginas do jornal, “Páginas da Vida” relatava a história de algum cidadão da velha Barril, ou de fatos que aconteceram na vida das pessoas ou na comunidade. Esta era a “coluna” aberta ao público e quem quisesse escrever, mandava seu texto aos colaboradores do jornal, que publicava nas edições seguintes.
Além de noticiar, o jornal levava aos moradores de Frederico Westphalen as novidades que aqueciam a época. Porém, a grande sacada era colocar no espaço destinado a anúncios um grande ponto de interrogação sem nada escrito, ou com alguma palavra indicando o que viria. Essa era uma das maneiras utilizadas para chamar a atenção do público, dando, assim, mais visibilidade e instigando a curiosidade por parte dos leitores.
O CineFatos era distribuído em frente ao cinema. Após comprar o ingresso, a pessoa ganhava um exemplar. Por isso, o Cine Teatro Jussara tinha sempre espaço nas páginas do jornal. O horário das sessões de cinema e os filmes que estavam sendo exibidos eram informados.
Para quem gostava de futebol, notícias frescas escritas por Golof. Não o conhece? Esse era o pseudônimo usado pelo Wilson para trazer as notícias dos times da região. Ele, que escrevia para jornais da capital, trazia para os amantes do esporte as novidades da semana. E junto com as notícias, algum jogador sempre ganhava espaço, apresentando sua ficha técnica.
O que ganhamos com isso?
Pesquisar essa história nos permitiu retornar a década de 1960 e conhecer não só a história do jornal, mas também de muitas pessoas que vivenciaram e construíram um baú cheio de histórias, bem aqui, na pequena Frederico Westphalen. Nos permitiu também perceber que, muitas vezes, com o passar do tempo, acabamos regredindo em algumas situações. O nome Cine Fatos não surgiu do nada. Naquela época existia cinema na cidade. Hoje, em pleno século 21, não temos mais.
Ouvir histórias da época, tocar nas folhas já gastas do jornal, guardadas com tanto carinho por alguém que fez parte daquela história, não tem preço. Ver os olhos brilhando por lembranças de pessoas que não estão mais em nosso meio, mas que sempre serão lembradas pelo que deixaram registrado no papel: suas histórias.
Confira aqui algumas capas históricas do CineFatos:
Alice Buzanelo, Ana Paula Bones, Cassia Johanns, Tamara Melo e Thiago Aguiar – Acadêmicos do 5º Semestre do Curso de Jornalismo
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