Lar São Vicente de Paulo: um novo destino

À esquerda, vestindo branco a enfermeira Reni Forquezato abraçando a paciente Maria de Lima sorrindo com seu único dente
“Às vezes, eles chegam aqui machucados, com feridas, desnutridos”, diz a enfermeira padrão Reni Forquezato (à esquerda) ao lado da idosa Maria de Lima - Foto: Victória Alves

Em uma manhã de quinta-feira com céu claro e sol forte, nos deslocamos do centro da cidade em direção à Avenida João Muniz Reis. Há 36 anos, em Frederico Westphalen, está localizado nesse endereço o Lar de idosos São Vicente de Paulo. Com o intuito de conhecer o ambiente e socializar, passamos algumas horas daquela manhã direcionando um pouco do nosso tempo há quem tem tanto tempo de sobra.

O Lar foi fundado em 1984, em uma época em que o Brasil estava tomado por lutas pela democracia.
No entanto, essa não era a principal preocupação do casal Elis Cerutti e Antonio Ruaro. Elis, 87 anos, antiga comerciante e atualmente presidente do lar, conta que foi depois de se deparar com uma situação desumana, em que um idoso vivia embaixo de um viaduto, que surgiu a ideia de ajudar pessoas que se encontravam em situações semelhantes de vulnerabilidade social. “Isso não é coisa para cristão, isso não é coisa pra gente ver”, diz ela. Com uma equipe de cinco casais, foi construído um ambiente que, ao longo dos anos, modificou-se para melhor receber os idosos.

Os lares de idosos no Brasil

     Pesquisas afirmam a precariedade dos lares de idosos, também chamados de Instituição de Longa Permanência para Idosos (Ilip), em nosso país. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2011, cerca de 71% dos municípios não possuíam nenhuma instituição para idosos. Em média, 65,2% das instituições de longa permanência no Brasil são filantrópicas, 28,2% são privadas e apenas 6,3% são públicas.

 

Desafios enfrentados pela equipe do lar São Vicente de Paulo

Hoje, o Lar conta com uma estrutura suficiente para abrigar, no máximo, 60 idosos, sendo que 15 são homens e 45 são mulheres. Possui quartos duplos e individuais, salas de convivência, cozinha, refeitório, almoxarifados e espaços ao ar livre. O lar enfrenta desafios diários relacionados à parte financeira e ao estado de saúde dos idosos. “Pra manter isso aqui, precisa muito”, diz a administradora Zélia Schüler que, de seus 76 anos, há 17 está no lar. Com vastos gastos, a instituição filantrópica depende de doações e da porcentagem que utilizam daqueles que são aposentados. “Não é fácil, tem que ter um jogo de cintura muito forte”, afirma Zélia, que deixou de trabalhar no almoxarifado de em um frigorífico para se dedicar inteiramente ao lar. “Abracei essa causa”, conta.

Com cuidados 24h por dia, o asilo conta com três técnicas em enfermagem e com uma enfermeira padrão. Dia e noite, elas cuidam, trocam, alimentam, dão banho, medicam, fazem curativos. Uma atividade que exige empenho e paciência. “Elas já têm o reino do céu garantido por fazer esse trabalho com amor”, diz a conselheira do lar Maria de Lurdes Ferrari sobre as funcionárias. Ela também acrescenta que não há episódios de maus tratos das cuidadoras com os idosos. “Eu sempre digo, vocês apanham, mas não podem encostar um dedo neles”.
O processo de adaptação ao novo ambiente é uma questão complicada. Muitos se negam a estar ali, mesmo que antes estivessem em lugares precários.
A dificuldade em lidar com quem não aceita que, hoje, não possui mais independência é um problema diário que as enfermeiras encontram. “Idoso é que nem criança, tem horas que nada serve”, afirma Maria de Lurdes.

“Eu sempre digo: vocês apanham, mas não podem encostar um dedo neles”.

À esquerda, vestindo branco a enfermeira Reni Forquezato abraçando a paciente Maria de Lima sorrindo com seu único dente

“Às vezes, eles chegam aqui machucados, com feridas, desnutridos”, diz a enfermeira padrão Reni Forquezato (à esquerda) ao lado da idosa Maria de Lima – Foto: Victória Alves

De acordo com os dados do Disque 100, a negligência e o abandono de idosos cresceu 16,4% no país, no ano de 2015. O Lar

de Frederico Westphalen atualmente abriga 58 idosos. A maioria dos casos variam de abandono e
maus tratos até aqueles que não tem quem os cuide.

 

Os idosos no Rio Grande do Sul

Os estados da região Sul estão à frente dos demais em relação ao índice de instituições filantrópicas para idosos. O grande influenciador disto pode ser o alto percentual de pessoas idosas habitando as cidades gaúchas. No quadro abaixo, estão os dez municípios com maior número de idosos do Rio Grande do Sul proporcionalmente ao número de habitantes.

Tabela com os 10 municípios gaúchos com mais números de idosos por habitante.
Município com maior proporção de idosos no Rio Grande do Sul. Fonte: Tribunal Superior- Eleitoral (TSE).

No Brasil, as entidades filantrópicas possuem o maior índice de presença. Por região, com maior número de instituições, o Sul está na frente, com 815 lares. O Centro-Oeste possui 245 instituições e, na região Norte, há apenas 49, conforme dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos e Conselho Nacional dos Direitos dos Idosos.

Família, instituição e cuidadores

Há situações em que idosos foram filhos únicos, não casaram e não tiveram filhos. Esses chegam ao lar por meio de um vizinho ou de algum familiar distante. Em outros casos, a família não tem tempo nem recursos para cuidar de alguém que depende de assistência 24 horas por dia. “A família segura até onde pode, até quando eles estão bem, até quando não usam fraldas.”, diz Maria de Lurdes.

A administradora Zélia fala da dificuldade que uma família tem em manter um idoso em casa, sob cuidados. “A aposentadoria não cobre as despesas, pois tem que pagar os funcionários”, diz. E ter funcionários particulares entra em um outro âmbito, que é a necessidade de seguir as leis trabalhistas, as quais exigem horas extras, décimo terceiro, férias.

Segundo a professora da Uri, Marinês Aires, doutora em Enfermagem que desenvolveu pesquisas direcionadas ao Envelhecimento e Atenção Básica, o cuidado da família ao idoso está se tornando cada vez mais escasso, e os problemas em encontrar alguém capacitado para cuidar envolve diversos fatores, incluindo a dificuldade de pagar um salário seguindo corretamente os direitos dos trabalhadores. “A maioria dos cuidadores familiares de pessoas idosas são mulheres, esposas ou filhas de meia idade”, diz Marinês. Ela também acrescenta que as pessoas responsáveis por cuidar de um idoso necessitam ter uma dedicação de tempo integral aos cuidados, apresentam baixo índice de escolaridade e condições sociodemográficas desfavoráveis. Segundo investigações, o papel de cuidador de um idoso gera repercussões como prejuízo na qualidade de vida, estresse, depressão, ansiedade, isolamento social e sobrecarga.

PRINCIPAIS ASPECTOS QUE LEVAM À INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS IDOSOS QUE NECESSITAM DE CUIDADOS,- SEGUNDO A PROF. DRA MARINÊS AIRES.

  • As mudanças sociais e culturais recentes;
  • Uma crescente individualização;
  • Redução dos membros da família e mudanças na estrutura familiar;
  • Inserção da mulher no mercado de trabalho formal;
  • Falta de estrutura familiar para manter um idoso debilitado;
  • Necessidade de cuidados especializados e permanentes.

Caminhos que levam ao lar

Sentado no sofá, na companhia de um caminhador, o senhor de 82 anos, José Zatta relatou que não é possível viver sozinho na velhice. Foi casado, mas não teve filhos, “Minha mulher morreu, fiquei cinco anos sem ninguém”, diz ele. O idoso até tentou casar-se novamente, mas problemas com os enteados fizeram com que ele voltasse a morar sozinho. Hoje o que mais o incomoda são as dores musculares. “Tem horas que sinto muitas dores no corpo, meu problema foi trabalhar demais”, afirma Seu. Zatta, que é o único integrante vivo de uma família com oito irmãos.

Com lembranças nostálgicas de acontecimentos passados, ele recorda os jornais italianos que a família assinava no tempo em que havia proibição da língua. Também relata o cotidiano vivido com os irmãos quando estudavam. E foi e com imensa vontade de conversar e relembrar que José Zatta nos mostrou os cadernos da época em que frequentava a escola. Seu. Zatta diz que é bem tratado no lar e que não saberia onde estar se não fosse ali.

Senhor José Zatta vestido com uma blusa azul, óculos de grau e uma boina.
José Zatta, 82 anos, morador do Lar dos Idosos São Vicente de Paulo. Foto: Victória Alves

 

Ao contrário do Seu Zatta, Dona Raquel Ritali não está satisfeita em estar no lar. Única filha, solteira, passou a vida cuidando dos pais, não casou, não teve filhos. “Eu era como uma empregada pra ela”, diz, ao falar da relação com a mãe. Depois que os pais faleceram, Raquel seguiu sendo vendedora de cosméticos, era independente, morava sozinha. No entanto, seu destino mudou quando, em uma corriqueira sexta-feira, a idosa foi vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Segundo a enfermeira Reni Forquezato, Raquel ficou três dias em casa sem conseguir ajuda.
O que influenciou na situação atual. “Eu gritava, me trazem cobertor que eu vou morrer de frio, chamava, pedia socorro, ninguém aparecia”, conta ela com lágrimas nos olhos. Insatisfeita por estar naquela situação de impotência, a idosa de 73 anos diz que alegria hoje é quando há distrações no lar. “É bom quando recebemos visita, tocam violão e cantam para alegrar a gente, isso faz uma higiene mental”.

Dona Raquel Ritali com uma vestimenta azul e seu olhar distante.
Raquel Ritali, 73 anos, interna do Lar dos Idosos São Vicente de Paulo- Foto: Victória Alves

 

Gabriel Araújo
Isadora Vilanova
Victória Alves

Redação Jornalística II

 

 

 

 

 

 

 

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