Marcas do Tempo

O tempo passa, o tempo voa, mas a experiência adquirida pelas pessoas é eterna

O tempo passa, o tempo voa, mas a experiência adquirida pelas pessoas é eterna. Com poucas palavras trocadas é possível aprender e refletir sobre a vida e nossas relações cotidianas. Este tempo de aprendizado, entretanto, deixa suas marcas…

Por: Egenara Padilha e Gabriel Reinehr

egenarapr95@hotmail.com; gabrielreinehr@gmail.com

Uma força inexorável a todos os seres vivos. A forma como ditamos nossa relação com o universo que nos rodeia. O tempo é acima disso um limitador e um motivador. Sabemos que não somos infinitos, pois nascemos com um prazo de validade. Porém, curiosa e obstinada, a humanidade tende a retirar deste curto espaço dimensional suas lições e dar um sentido à uma condição denominada vida. Estes esforços, entretanto, deixam suas marcas, seus rastros e pegadas em um chão feito de carne e osso. Buscando encontrar exemplos claros de tais marcas, entrevistamos alguns idosos, para que nos relatassem histórias de suas vidas, lições que aprenderam e quais vestígios o tempo deixou.

Apesar de estar em uma idade hoje considerada ainda não idosa, Célia, 59 anos, relembrou em entrevista seus momentos e aspectos mais marcantes. Nascida em Iraí, ela compartilhava a casa interiorana com mais oito irmãos e os pais. Uma infância marcada pelo estilo de vida e pela primeira professora que teve. “Íamos assistir jogos de futebol, a gente saía com os times em cima de um caminhão” ela lembra. Com 23 anos casou-se e, quando grávida da segunda filha mudou-se para Frederico Westphalen. Ela lembra-se de muitos bons momentos com o marido, de quem sente saudade e relembra com um sorriso no rosto. Após 15 anos, mudou-se para Frederico Westphalen, tornou-se viúva ainda com três crianças para criar e não hesitou em trabalhar como pôde para dar a elas o que necessitavam. Como receita para viver bem, ela dita: “Ter fé em Deus e seguir um caminho bom”. Ao final, a marca do tempo em si, para ela foi o aprendizado sobre ser forte: “É preciso seguir em frente…”

Célia Lamb, 59 anos, em seu estabelecimento de
trabalho

Seguindo esta linha espiritual, Hermínio Colombo e sua esposa, Maria Colombo afirmam com veemência a importância da religiosidade. Ambos desde cedo dedicaram parte de seu tempo à comunidade católica. Atualmente com 93 e 90 anos o casal mora junto em Sarandi, RS. No bairro onde residem contribuíram para a fundação da capela local e também dedicaram-se a serem ministros. “Passamos esse costume também para nossos filhos” afirma seu Hermínio. Para ambos, o fio central da vida deve ser o catolicismo. “Deus é a coisa mais importante”.

Hermínio e Maria Colombo, 93 e 90 anos, em sua casa

Natural de Cascalhos, distrito de Palmitos-SC, Mafalda Genoefa Castelli, 85 anos, reside em Frederico Westphalen há 52 anos. Ela mora sozinha, mas não dispensa de forma alguma a companhia dos filhos, netos e bisnetos. Descendente de italianos,

Mafalda sempre foi caseira, não gosta de viagens muito longas e conhece poucas cidades, mas nem por isso deixa de contar sua história de vida para quem tenha interesse em ouvir. Com seis anos de idade seu pai abandonou-a, deixando-a com a mãe e os nove irmãos, e por esse motivo começou a trabalhar com oito anos de idade. Seu primeiro emprego foi cuidando de crianças e em seguida trabalhou como lavadeira. Também fez costuras e depois aprendeu a bordar, hábito que mantêm como hobbie. Aos 18 anos casou-se e teve quatro filhos. Em lágrimas, contou que um deles faleceu muito jovem, com 33 anos de idade, e lamenta sua perda precoce até hoje. Pouco tempo depois tornou-se também viúva. Ela fala destes acontecimentos como uma prova de sua fé em Deus. “Tive uma vida bastante sacrificada, mas o que sempre me segurou de pé foi a fé e a alegria que levo comigo sempre, em qualquer situação”. Nas marcas do tempo em si, ela diz que o mais importante em toda a vida é o “ser” e não o “ter” e principalmente a sua crença no divino.

A história de Arnaldo Severo também traz uma caminhada árdua e difícil, mas que foi superada com muita coragem e determinação. Natural de Ivorá, com seus 93 anos contou-nos histórias da infância. Arnaldo era agricultor a fim de ajudar os pais e nas horas vagas andava a cavalo e jogava bola no campo com os irmãos e amigos que residiam perto de sua casa. Aos 13 anos mudou-se para Santa Maria, onde trabalhou como taxista por 33 anos. Lá também conheceu sua esposa Áurea e da união dos dois nasceram cinco filhos. Falando da infância, ele afirma: “A vida no campo não era fácil, a gente acordava cedo para ajudar o pai e mãe, aquilo era a nossa sobrevivência. Mas nunca deixei de brincar e correr, como qualquer criança”. Uma vida marcada pelo tempo tenro e tranquilo dos infantes. Marcas de alegria apesar da época difícil.

Arnaldo Severo em festa com amigos

Um dos moradores mais antigos de Frederico Westphalen, ou talvez “o mais antigo ainda vivo” como ele mesmo se retrata, Severino Bortoluzzi, 90 anos, nasceu em Marau, à época ainda distrito de Passo Fundo. Veio com cerca de 3 meses para a nova cidade, e ali permaneceu toda a sua vida. Ao contrário da maioria, Severino é filho único e morou sempre na cidade. Teve uma infância feliz, acompanhado principalmente dos filhos de outros pioneiros do município. Com onze anos ingressou em um seminário, mas desistiu, retornando para casa 8 anos depois. Depois ingressou no emprego que manteve até a aposentadoria, trabalhando como vendedor em um comércio local. Casou-se com 23 anos, tendo posteriormente 6 filhos e tantos netos que já nem consegue contar. Contudo, veio a perder a filha mais nova a alguns anos. Relembrando épocas mais simples, disse que “não havia inimizades entre nossa gente. Todos conviviam bem”. Além disso, afirma: “Aprendi a conhecer as pessoas. Conheço todo mundo”. Para ele, conviver em comunidade e estar em bons termos com todos é essencial. Como a maioria, também participou muito da comunidade católica do município. Severino participou da construção do hospital, da primeira escola e da catedral, inclusive ao lado do Monsenhor Vitor Batistela, considerado um patrono de Frederico Westphalen.

Severino Bortoluzzi, 90 anos, conversando
com os repórteres em sua casa

Filho de um dos pioneiros que desbravou as terras da atual Frederico Westphalen, Benjamin Sandi conta o fato com orgulho. Filho de pequenos agricultores, ele foi o único membro da família que frequentou a escola, ainda que apenas até obter alfabetização básica. Além disso era o único filho homem. Assim, ainda muito jovem assumiu o posto de chefe familiar, visto que seus pais desconheciam mesmo operações financeiras básicas. Segundo ele, foi uma época difícil, marcada por muito trabalho e pouco dinheiro.

Entretanto, tanto ele quanto sua mulher, Veronica Sandi afirmam que era um tempo feliz. “A gente trabalhava bastante, mas também se divertia. A nossa família não tinha boi, não tinha nada. Era tudo no braço”. Casaram-se em 1970, tendo 3 filhos posteriormente. Moraram com a mãe de Benjamin e continuaram o trabalho agrícola. Ambos também sempre cultivaram o costume católico, indo à igreja todos os domingos. Deixando o trabalho agrícola exclusivamente, Benjamin chegou a abrir um “bolicho” que depois seria vendido antes de mudar-se para a cidade a fim de trabalhar num frigorífico. Foi um membro extremamente ativo das comunidades onde passou, presidindo CPM’s, sendo ministro e até fundando um time de futebol. Curioso é fato de, segundo o próprio casal, nunca terem brigado, “apenas uma ou outra discussão leve, que a gente sentava e resolvia”. Refletindo sobre o que aprendeu com a vida, Benjamin afirma que, apesar de considerar-se analfabeto, obteve muito aprendizado, principalmente conversando com as pessoas.

Benjamin e Veronica Sandi em sua casa

Personagens com muitos traços em comum na sua história: a infância difícil, muitos filhos, intensa participação na comunidade e a vivência da fé católica. Pessoas que sabem conversar como ninguém e exibem não tristeza ou solidão pelos velhos tempos, mas sim um sorriso de quem viveu belos momentos e adquiriu singular experiência. Rostos e mãos únicos que trazem consigo as marcas do tempo que passou.

Reportagem produzida na disciplina de Redação Jornalística 2 como parte do Jornal-laboratório online da turma. Leia outros textos em: http://decom.ufsm.br/redajor2/

Sobre o autor

egenarapr95
Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Maria /campus Frederico Westphalen, Rio Grande do Sul, Brasil.

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