De garotas comuns a símbolos regionais: A vida e a rotina das soberanas

Seleção das soberanas 2016 Foto: Assessoria de Imprensa Expofred

“Você é uma menina bonita, o que você pensa não importa” canta Beyoncé em “Pretty hurts”, música em que externa seu repúdio aos preconceitos com a beleza, assim como existem entre o universo de soberanas de festas. A dimensão de “ser soberana” vai muito além de um corpo esteticamente belo. Essas mulheres precisam de desenvoltura, conhecimento cultural e carisma. Quem pensa que essas garotas são apenas símbolos engana-se: elas precisam quebrar a barreira de suas zonas de conforto e dar tudo de si.

A tradição de coroar mulheres para representar alguma instituição ou festa em Frederico Westphalen é antiga, sendo que ao longo da história do município, surgiram concursos para diversos fins e meios. Segundo o pesquisador Wilson Ferigollo, o sucesso de festas populares dependia muito da existência de soberanas, pois elas atraíam mais pessoas para os festejos e publicitavam a instituição que divulgava.

O primeiro concurso de escolha de soberanas que se tem registro ocorreu em 1954, momento ao qual foi eleita a rainha dos motoristas. Em 1958 o Centro de tradições gaúchas – CTG – escolheu sua 1ª prenda. Entre 1960 a 64 ocorreu a escolha do rei do Momo. Clubes esportivos como o Ipiranga e Itapagé também faziam coroação de soberanas na época, bem como os clubes aquáticos da cidade que disputavam entre si o tradicional concurso de rainha das piscinas.

Em 1962 surgiu o concurso para miss Frederico Westphalen, promovido pelo Lions Club, que elegia três representantes, a primeira colocada ganhava um passe para participar do concurso estadual de miss.

O sucesso que as soberanas proporcionavam como carro-chefe de suas festas fez com que a comissão de organização da primeira Exposição Feira de Frederico Westphalen – Expofred, em especial o prefeito Lindo Cerutti (in memorian), resolvessem adotar a tradição de escolher uma corte para cada edição da feira.

A seleção

Muitas meninas de Frederico Westphalen, desde sua infância, crescem em meio a tradições e moldam sonhos através delas. A vontade de ser uma soberana da cidade faz com que muitas se dediquem e passem dias treinando para a aprovação.

A seleção consiste em um processo em que as candidatas têm algumas palestras, workshops e aula de passarela. No dia anterior à escolha acontece uma entrevista com as jovens, em que são feitas perguntas referentes ao município e a feira Expofred.

Mateus Meneses, por ser colunista social do Alto Uruguai e trabalhar com beleza, foi convidado pela primeira dama da cidade para fazer parte da banca da seleção de 2016. “Fizemos uma entrevista com elas, todas se apresentaram e responderam algumas perguntas, esse foi nosso primeiro contato com elas pessoalmente. Na segunda fase já tinha um desfile, que iríamos avaliar considerando beleza, desenvoltura e o conteúdo do que elas falavam na entrevista”.

Através dessa avaliação são escolhidas três candidatas, sendo uma rainha e duas princesas, que terão que transmitir ao público o amor por sua cidade e viajar por diversas outras divulgando e fazendo convites para que prestigiem a feira.

A rotina

A rotina de uma soberana começa alguns meses antes da Expofred, as três candidatas selecionadas acordam de madrugada nos dias que irão divulgar o evento em outras cidades e também nos dias da feira para ir ao salão de beleza se arrumar e lá mesmo tomam um café da manhã bem reforçado para as sete horas da manhã iniciarem as suas funções.

É oferecido a elas um período para fazer academia, visando prepará-las fisicamente para as caminhadas durante o evento que dura cinco dias. As meninas também devem ter uma alimentação bem saudável para ajuda-las no processo.

Nos bastidores da divulgação: a equipe de apoio

Por trás das garotas que representam a festa maior de Frederico Westphalen, está uma equipe de apoio preocupada para que tudo corra bem na divulgação. Uma das integrantes é a professora aposentada Elizete Dalpiva Mingotti, que calorosamente nos recepcionou em sua casa para contar das alegrias de ter coordenado os passos das soberanas durante a última Expofred. “Aceitei o trabalho, mesmo sem saber na época da dimensão do que é ser soberana”, conta ela.

Elizete e as soberanas durante visita à prefeitura de Vicente Dutra

Para a professora, o primeiro objetivo de uma soberana é ser um canal vivo de divulgação, “isso custou muito a elas, foram dois meses intermináveis de idas e vindas, não importava se estava frio ou chovendo, elas precisavam estar impecáveis”.

Elizete acredita que o sucesso da feira se deve, em parte, ao amor à cidade que as soberanas possuem e que era perceptível nas entrevistas e nas visitas nos municípios da região do médio alto Uruguai. Para ela, o conhecimento também acrescenta muito a uma soberana na hora de divulgar o potencial que o município tem. “Elas precisaram por fim vender o produto: a ideia de uma Expofred vitoriosa, de sucesso”, conclui.

O mais marcante em ser coordenadora foi ver a evolução das soberanas ao longo da divulgação. A timidez nas entrevistas deu lugar, com o passar dos dias, a uma desenvoltura exuberante. Elas notaram que o sucesso da feira dependia muito delas. “Me realizei com isso”, diz Elizete.

Orgulhosa do trabalho das representantes da festa, Elizete não poupa elogios para as garotas, “Elas foram vitoriosas, por que a Expofred foi um sucesso e grande parte disso se deve a elas. A gente criou um vínculo tão grande que eu me sentia mãe delas”.

Beleza que atravessa o tempo: a primeira rainha

A frederiquense Clarice Maria Olesiak Cordenomsi possui uma trajetória de premiações em concursos de beleza de dar inveja. Ela foi rainha da União frederiquense de estudantes, rainha das piscinas do município, miss Frederico Westphalen e miss Santa Maria. Além disso, ela ficou no top 10 do concurso de miss Rio Grande do Sul nas duas edições em que participou – uma dessas, na terceira colocação.

Clarice Olesiak, primeira soberana da Expofred,                                          em 1976.

O prestígio que a miss possuía entre os munícipes e as premiações que carregava fez com que os organizadores da primeira Expofred, em 1976, a escolhessem a dedo para representar a feira. Na época com 18 anos de idade, Clarice diz que se recorda de poucos detalhes, mas levar o nome da feira para a região foi uma experiência muito boa, “senti que fiz a minha parte”, conta. O concurso que hoje existe para avaliar todas as características das concorrentes à coroa da Expofred, ainda nem era uma preocupação dos organizadores da primeira edição.

Clarice lembra que o conceito de beleza mudou drasticamente nesses 40 anos, não havia cobranças quanto a uma busca pelo corpo magérrimo que é visto como padrão. “É uma evolução, os conceitos mudam e as pessoas precisam seguir, não adianta, se não elas não ganham espaço na sociedade”, conta. Ela acredita que os concursos de beleza deviam prezar mais pela naturalidade da mulher.

Soberanas de 2016 não querem ser reconhecidas somente pela beleza

Desde os primórdios, modelos são vistas pela sociedade apenas como símbolo de beleza, mas o que muita gente não sabe é que muitas que seguem a profissão costumam fazer outras atividades nos dias que se encontram livres da profissão e não são só “rostinhos bonitos”.

Soberanas 2016. Foto: Rafael Franceschet

É o caso da Julia Stefanello de 18 anos, rainha da última edição da Expofred em Frederico Westphalen, que além de representar a cidade também aproveita seus dias para se dedicar a outras atividades. “Hoje dedico totalmente o meu tempo para a realização de outro sonho, ser médica, estudo na maior parte do meu dia em um curso preparatório e pratico alguns esportes nas horas vagas como patinação artística e tênis”.

Julia disse que por ser uma soberana sofre com estereótipo e julgamentos. “Eu acredito que as pessoas ligam muito essa questão de beleza com futilidade, acabam subjugando uma menina bonita como burra. As pessoas já me julgaram sim como uma pessoa fútil e me menosprezaram pelo cargo que ocupo, as pessoas costumam ter uma ideia bem adversa das soberanas”, relata Julia.

Mesmo com todo esse julgamento por parte da sociedade, em que mulheres sofrem preconceito por conta da beleza, Eduarda Cheffer de 19 anos, primeira princesa de Frederico, acredita em empoderamento feminino. “Penso que a maioria, se não todas as mulheres, são julgadas diariamente, pela beleza, inteligência, modo de se vestir, de se portar. Porém, cabe a nós dar fim a isso, mostrar que mulher pode ser o que ela quiser, pode sim ser bonita e inteligente como pode ser várias outras coisas”.

Nos dias atuais, as mulheres vêm reconhecendo o seu real valor e cada vez mais lutam para que alcancem reconhecimento por outros fatores que não seja beleza, as candidatas eleitas no ano de 2016 buscam o mesmo para elas enquanto soberanas de Frederico Westphalen.

A visão das mulheres frederiquenses quanto a tradição das soberanas na cidade

Em pesquisa com 23 mulheres de Frederico Westphalen, de faixa etária entre 16 a 55 anos, observamos que mesmo com a tradição de eleger soberanas para a cidade ser muito forte, muitas das entrevistadas não acreditam que uma soberana realmente represente uma mulher frederiquense.

52% das entrevistadas disseram não se sentir representada por elas, porque os padrões de beleza impostos para a seleção não condiz com a realidade de muitas, já que na maioria são brancas, magras e de cabelos lisos. A respeito da seleção o jurado Mateus Menezes afirmou: “Temos o padrão de beleza da mídia, querendo ou não temos que levar em consideração”. Mesmo com a seleção levando em conta outros quesitos além da beleza, a maioria das mulheres acreditam que a beleza é a característica que o jurado mais leva em conta na hora de escolher uma soberana e não concordam com isso.

Quando questionadas sobre qual a principal característica que uma soberana então deveria ter, nenhuma das entrevistadas votou em “Beleza” e as características mais escolhidas foram Inteligência e carisma, ambas com 39,13% dos votos. Contudo, acreditam que a soberana exerce papel fundamental para a divulgação das feiras que acontecem na cidade.

Mathias Lengert 
Mayara Neri 
Redação Jornalística II

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