O sonho de estudar no exterior

Por Miguel Scapin e Flávio Pettenon

miguelscapin@hotmail.com; flaviodpettenon@yahoo.com.br

As experiências de quem estudou no estrangeiro e de quem ainda está estudando fora do Brasil

No ano de 2011 o governo brasileiro lançou um programa ambicioso: ofertar 101 mil bolsas de estudo para a promoção do intercâmbio de estudantes. A proposta era ousada. Muitos alunos fariam estágio no exterior e teriam contato com sistemas educacionais competitivos em relação ao desenvolvimento da tecnologia, historicamente, uma grande deficiência do país tupiniquim. As áreas mais beneficiadas seriam das engenharias, ciências exatas e da terra, biologia, ciências biomédicas e da saúde, computação e tecnologias da informação, dentre outras áreas consideradas menos desenvolvidas no Brasil. Era o início de uma nova era na área acadêmica no Brasil. Era o início do programa Ciência Sem Fronteiras – CSF.
Mas passados seis anos nem tudo saiu como o previsto. O programa acabou em 2017 e implementou apenas 93 mil bolsas, não atingindo o número esperado, e tendo os últimos bolsistas selecionados ainda em 2014. O governo federal declarou que não há mais verba e que o programa deixou dívidas, pois o custo para manter os alunos no exterior era muito alto e o retorno não foi o esperado. O governo brasileiro iniciou uma forte política de cortes na educação nos últimos anos. Mesmo assim, os intercambistas que tiveram a oportunidade aproveitaram o programa.
Éber Jessé da Silva Peretto, 24 anos, fez uma verdadeira peregrinação na “Meca” da computação, algo inimaginável antes da criação do CSF. O estudante de Ciência da Computação da Universidade Regional Integrada, em Frederico Westphalen, cursou disciplinas na Universidade da Califórnia – Berkeley, nos Estados Unidos, a poucos quilômetros do Vale do Silício, local com a maior aglomeração de indústrias de tecnologia de ponta no mundo, como a Apple, Cisco, Facebook, Google, Intel, dentre inúmeras outras, além de ser uma das mais importantes universidades do mundo. Peretto, que viveu nos Estados Unidos de junho de 2012 até julho de 2013, contou que a experiência foi maravilhosa. “Com o programa consegui visitar lugares que nunca achei que ia ver, pude ter imersão em outra cultura com uma língua que estudo desde pequeno e tive a sorte, só isso define mesmo, de estudar em uma das mecas da computação do mundo, Berkeley”. Segundo o intercambista, foi um grande desafio todo o tempo em que passou nos Estados Unidos, pois além de ter morado sozinho pela primeira vez na vida, o alto nível do curso fez com que ele tivesse um “choque de realidade” e tivesse que se esforçar muito. Isso o ajudou a entender melhor o que ele queria com os estudos. Embora poucas disciplinas tenham sido utilizadas na grade curricular no Brasil, na parte profissional as coisas foram diferentes. “Tive muito contato com técnicas e tecnologias que até então nem tinha ouvido falar e que, coincidentemente ou não, se tornaram as que utilizo em minha profissão atual. Os projetos em equipe lá eram muito “puxados”, o que também me fez ficar bem mais exigente com meus próprios prazos e dos meus companheiros. Consegui trocar experiências com pessoas que mesmo com a minha idade já trabalhavam em empresas como Zynga e LinkedIn e vi que na minha área só é necessário esforço e muita dedicação”, declarou Peretto.

A Golden Gate Bridge é um dos principais pontos turísticos de San Francisco, onde Éber estudava de 2011 a 2012 (Fotos: Arquivo Pessoal)

Não muito diferente é a história do intercambista Gilnei de Pellegrin, 25 anos. Depois de ter sido incentivado por Éber, em seu retorno ao Brasil e ao curso, Pellegrin se inscreveu e foi selecionado para estudar na Kansas State University – KSU, também nos Estados Unidos, destino de mais de 27 mil dos intercambistas do programa Ciência Sem Fronteiras. Pellegrin, hoje formado em Ciência da Computação pela Universidade Regional Integrada, em Frederico Westphalen, viveu em solo americano de agosto de 2013 a dezembro de 2014 e cursou Computer and Engineering Science (Computação e Ciência da Engenharia) no estado do Kansas. Para ele, no começo, a ideia de morar sozinho em um lugar diferente e longe de qualquer pessoa foi um pouco assustadora, mas ao chegar foi bem recebido e logo percebeu que não havia motivos para temer. Devido à imersão na língua, a aprendizagem do idioma foi rápida, sendo este um dos seus objetivos com o intercâmbio. “A vivência em modo geral foi muito diferente do que vivia aqui, aprendi a viajar sozinho, fazer amizades rapidamente e me adaptar. De certa forma isso contribuiu e muito para minha vida profissional também. As disciplinas cursadas lá, por serem do mesmo curso aqui no Brasil, puderam em sua grande maioria serem reaproveitadas. Algumas mais específicas ficaram como horas complementares na universidade, mas que na vida profissional garantiram uma boa posição no mercado de trabalho”, declarou Pellegrin.

Mesmo tendo estudado no estado americano do Kansas, Gilnei conheceu a Estátua da Liberdade, que fica em Nova York

Após se formarem aqui no Brasil, Peretto e Pellegrin têm outra coisa em comum além de terem sido intercambistas do programa Ciência Sem Fronteiras. Os dois abriram empresas distintas ligadas à área da informática. Peretto é sócio de uma empresa de desenvolvimento de software e Pellegrin é sócio de uma empresa que autentica internet com acesso sem fio. As duas empresas estão em Frederico Westphalen.
Também de Frederico Westphalen, Helena Wichineski Trombeta, 23 anos, realizou o intercâmbio de agosto de 2013 a janeiro de 2015, mas o destino foi a Austrália, a mais de 13 mil quilômetros do Brasil. O país do canguru foi o destino de mais de 7 mil estudantes brasileiros no programa. Helena estudou Agricultural Science (Ciência Agrícola) na University of Western Australia – UWA, localizada na cidade de Perth. Helena estudou Agronomia na Universidade Federal de Santa Maria. Para a intercambista, a oportunidade de realizar um intercâmbio em outro país foi extremamente enriquecedora, especialmente em um país multicultural, pois pôde conviver com pessoas dos mais diversos países e culturas, hábitos e religiões. Além disso, a universidade escolhida para fazer o intercâmbio está colocada entre as 100 melhores do mundo. “Isso foi algo que agregou muito no meu currículo profissional, além da oportunidade de exercitar uma segunda língua e poder adquirir fluência no inglês”, afirmou Helena. O ensino recebido na Austrália despertou o interesse na vida acadêmica. “A oportunidade de estudar em uma universidade de primeiro mundo também nos faz repensar sobre conceitos e metodologias de ensino, o que ainda precisa ser muito aprimorado no Brasil. Atualmente estou fazendo mestrado em ciência do solo na UFSM e tenho a intenção de seguir carreira acadêmica”, declarou Helena.

Helena estudou na Austrália e visitou a Sydney Opera House durante sua estadia no país

INTERCÂMBIO NA COLÔMBIA
O programa Ciência Sem Fronteiras foi encerrado, mas o sonho de muitos acadêmicos de estudar fora do país continua. Éverton Cabral, 21 anos, acadêmico do sexto semestre de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em Frederico Westphalen, hoje mora na Colômbia. O estudante revelou pensar em fazer intercâmbio desde o primeiro ano da faculdade, e mesmo inicialmente não cogitando fazer os estudos na Colômbia, disse não poder deixar a oportunidade passar. “A UFSM abre editais todo semestre. Nós que moramos em Frederico Westphalen temos que enviar os documentos para a Secretaria de Apoio Internacional (SAI). A partir disso tem uma seleção de candidatos e logo após a nomeação. Escolhi me inscrever para cá por causa da cidade que é desenvolvida e também por conta do ensino”, afirmou Cabral. O acadêmico estuda na Universidad Católica Luis Amigó, em Medelín, que mantém um convênio bilateral com a UFSM. Para poder estudar fora do país, o universitário utilizou do site “vakinha”, um sistema de “crowdfunding”, isto é, um financiamento coletivo para que ele pudesse arcar com os custos, pois o convênio que ele usufrui não tem ajuda de custos, diferentemente do programa Ciência Sem Fronteiras, em que os alunos recebiam bolsas mensalmente de até 700 dólares. Nos convênios bilaterais firmados pela UFSM, o aluno de mobilidade recebe isenção de taxas acadêmicas, como matrícula e inscrição em disciplinas, porém todos os gastos de viagem e de estadia no exterior são de responsabilidade do aluno, tais como visto, passaporte, passagens, seguros, alimentação e alojamento.

Éverton está desde agosto de 2017 na Colômbia

Muitas foram as críticas ao programa Ciência Sem Fronteiras, principalmente pelos gastos, mas não se pode negar o legado deixado pelo programa, que proporcionou a quase 100 mil alunos brasileiros aprender em diversos países nos cinco continentes do planeta. A vontade dos estudantes de viver uma experiência fora do país continua, mas com a extinção do maior programa de intercâmbio já visto no Brasil muitos deixarão de realizá-lo. E os alunos não são os únicos que perdem com essa política de cortes de gastos na educação, mas o país, que não é atrasado apenas tecnologicamente, mas como vemos, é também atrasado educacionalmente.

*Reportagem produzida na disciplina de Redação Jornalística 2  como parte do jornal-laboratório online da turma. Leia outros textos em decom.ufsm.br/redajor2

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